Grito Número Sessenta e Quatro:

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

GATO XADREZ


Foi montando peça por peça. Torres nos cantos seguidas pelos cavalos e bispos, tudo conforme descrito na parte de trás do tabuleiro. As peças negras alinhadíssimas, encarando as peças brancas, já meio amareladas pelo tempo. A menina, com olhos tão brilhantes, se sentia em plena idade média, no maior confronto entre reinos de essência oposta. Depois do tabuleiro organizado, com tanto esmero, percebeu. Que além de não saber jogar, não poderia jogar só. A frustação passou segundos depois de alguns passos, quando avistou o balanço de pneu a chamando na figueira. Foi tudo esquecido através de sabor de vento no rosto e o balanço constante sob sombra da árvore. Deixou o reino talhado em madeira sem culpa ou remorso. Sempre será fácil abandonar os peões que te encaram feio, para poder se balançar, desde que seu coração ainda seja de criança. Afinal, o balanço é muito mais legal quando se está só, e se alguém chegar, é só pedir para empurrar.

Grito Número Sessenta e Três:

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Um baobá cheio de corvos.

Seus bicos amarelos iluminam o ambiente lúgubre.

Seus grasnados ecoam uma melodia infernal.

Olhos arrancados de corpos estão perdidos meio aos galhos, qual enfeites natalinos.

Abandonados por abutres que deixaram de lado a carniça para tornarem-se urubus-rei.

Mas de rei esse urubu só tem o título.

As flores do dia de finados já estão secas e formam um colorido de tons pastéis tristes e amarelados.

Um crisântemo branco agüenta o sol de dezembro com afinco.

Esbanja vida adornando a morte dos outros.

Arco-íris de arame farpado.

Prato de alumínio levemente amassado e vazio.

Criança cheia de catarro e fome.

Um velho esquálido com camisa vermelha de propaganda de partido político de esquerda pega latas do lixo e engorda seu saco surrado de estopa.

Chuva de verão, molha tudo ao mesmo tempo em que o sol torra a todos.

“Casamento de espanhol” dizem das janelas as velhas que olham matreiras o movimento dos vizinhos e da travessa em que moram.

Escola vazia, rua imunda, vômito da véspera festiva.

Silêncio mortal da manhã.

O presidiário tirou férias da cadeia para bater em sua esposa e cheirar um pouco de pó, só volta dia dois do ano que vem para sua gaiola falha e degenerada.

Um senhor gordo fuma cachimbo em sua varanda observando as folhas secas.

Uma criança rica doa um carrinho sem rodas para uma criança pobre que recebe como se fosse uma barra de ouro.

O tal deus-menino fugiu do presépio e toma conhaque sozinho em outro planeta, se recusa a participar de festa surpresa onde não pode escolher seus convidados.

E nessa festa só dá gente chata.

Resto de rojão, garrafa vazia de sidra de maçã.

Amor entre os homens, falsidade entre as famílias, boa-vontade passageira.

Feliz natal de carne.

Feliz natal de osso.

Porque são só os ossos que sobram para maioria.

Grito Número Sessenta e Dois:

sábado, 11 de dezembro de 2010

Sobre uma das coisas estranhas que eu fazia com treze anos...

Sempre tive uma paixão misteriosa por cemitérios. Há quem diga que eu os frequentava em minha pré-adolescência para chocar, para chamar a atenção e me fazer notar, mas por tantas vezes fui lá sozinho e não falei para ninguém...
Eu sempre descia a ladeira da avenida principal daquela cidade de interior com meu skate e no final dela encontrava a imagem de São João Menino.
Nessas vezes, dava uma volta geral, lia as lápides, olhava nos olhos das fotos e calculava a idade com que tinham morrido.
Várias crianças mortas.
Lia as frases dos epitáfios e pensava no que eu gostaria que fosse escrito no meu.
Nunca cheguei a nenhuma conclusão.
No final da caminhada, entrava em um jazigo cor de areia e o fazia de varanda.
Acendia um cigarro e ficava olhando o nada por horas, até a tarde morrer atrás dos morros.
Depois eu seguia avenida acima, me sentindo vivo.
Mas quando chegava em casa, já estava escuro, eu tomava um banho, deitava em minha cama com a televisão ligada e me sentia como se minhas coroas de flores já estivessem murchas a anos e a única coisa que mantinha minha memória era uma placa de bronze esverdeada sem nada escrito nela.

Grito Número Sessenta e Um:

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Sem tempo para pensar em títulos.

Acorda, pega a primeira camisa que encontra no armário e engole um pão no caminho.

Não dá tempo de escovar os dentes, de dar bom dia, de pensar.

Encara oito pilhas de papel, de 40 centímetros cada.

Pareciam totens de tribos canibais.

Sem agilidade seria devorado pelo expediente.

Lê, cataloga, arquiva.

Lê, cataloga e arquiva.

Começa a cantarolar uma canção da década dos homens de chapéu coco.

Percebe que catalogou tudo errado.

Começa tudo de novo desde o começo da canção.

Pensa em entrar para um coral, mas não daria tempo.

Pensa em fazer um esporte, mas não daria tempo.

Pensa em ter mais tempo, mas arquiva tudo errado de novo.

Pausa para o café, bebe dois copos descartáveis.

Coloca o copo na lixeira que diz orgânico, pois já está tudo misturado mesmo.

Serviços bancários, fila, metrô, acende um cigarro no caminho de volta.

-É um assalto.

Perde os documentos.

Não quer mais ter RG.

Não quer mais saber de CPF.

Cansou do padrão, mas nunca soube ser ovelha desgarrada.

Cansou de frases soltas.

Tirou a gravata, deitou em sua cama.

Acendeu um cigarro, serviu um conhaque.

Rezou para Nossa Senhora Aparecida.

Dormiu.

Acordou.

Voltou a dormir.

Abriu os olhos mais uma vez e apanhou a carteira de cigarros da cômoda.

Acendeu outro cigarro e fez um café.

No primeiro gole do café, se encontrou.

E estava lendo, catalogando e arquivando.

Mas estava tudo errado e tinha que começar aquilo tudo de novo.

Grito Número Sessenta:

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010



E entre os goles de café pensei em tudo que havia dito.
Acontece que eu estava mudo há anos...

Grito Número Cinqüenta e Nove:

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Química dos Desalmados

Estive bem até agora
Das torturas, sorrisos
Que arranquei dos lábios de uma qualquer
Dos balanços loucos
Desfiz de meus braços
Para de memórias tolas me desfazer

Das cinzas ao vento
O som das almas gritando
Se espatifando em muros de cimento
E nada sobra em sua composição

O gosto é acre, a cova é funda
As experiências mortais
Quanto veneno nestas almas
Que se esvaem no ar
Sem estalos, sem vontade

Lâminas, avante!
Dinheiro, putas, refeições
Mesas de bilhar
Almas a pilhar, sementes de maldade
Horror, iniqüidade
É o que a cidade te oferece de melhor

Das cinzas ao vento
O som das almas gritando
Se espatifando em muros de cimento
E nada sobra em sua composição

Química, química
Ciência e Religião
Café ou Alcoorão?

A moral chocou-se à fé
E destruiram-se os sentidos
Deuses e Homens juntos a ruir
Oração para matar e experiênca para mentir

Química, química
Ciência e Religião
Café ou Alcoorão?


Das cinzas ao vento
O som das almas gritando
Se espatifando em muros de cimento
E nada sobra em sua composição
Química, química
Ciência e Religião
Café ou Alcoorão?

Das cinzas ao vento
O som das almas gritando
Se espatifando em muros de cimento
E nada sobra em sua composição

O gosto é acre, a cova é funda
As experiências mortais
Quanto veneno nestas almas
Que se esvaem no ar
Sem estalos, sem vontade

Lâminas, avante!
Dinheiro, putas, refeições
Mesas de bilhar
Almas a pilhar, sementes de maldade
Horror, iniquidade
É o que a cidade de oferece de melhor

Das cinzas ao vento
O som das almas gritando
Se espatifando em muros de cimento
E nada sobra em sua composição
Química, química
Ciência e Religião
Café ou Alcoorão?

A moral chocou-se a fé
E destruiram-se os sentidos
Deuses e Homens juntos a ruir
Oração para matar e experiênca para mentir

Química, química
Ciência e Religião

Já não creio em fadas, amigo
Falta pouco para os tubos de ensaio me decepcionarem!

Grito Número Cinqüenta e Oito:

terça-feira, 23 de novembro de 2010






                                
Voltava por um longo e seco caminho, fora expulso do Vaudeville.
Os pés descalços marcavam o barro seco.
Alegado que sua fisionomia era grotesca demais para o circo.
Pernas esquálidas, torso monstruoso, face ulcerada cheia de verrugas.
As mãos pareciam galhos finos e secos de outono acompanhadas de uma tatuagem de coração com um nome ilegível.
Para onde iria o homem que nem siameses e mulheres barbadas desejavam?
Continuou a caminhada pensando em quem poderia se parecer com ele, além dos troncos dos bosques.
Se encostou, tentou se recompor. Com vagar, iniciou um devaneio.
Seguiu sonhando em ser um carvalho pelo resto de seus dias.
Os pássaros voavam, o lago refletia os montes do horizonte, o mundo continuava a seguir rumo próprio e o sonho permaneceu.

O homem não, tristemente pereceu mais rápido que qualquer árvore.

Grito Número Cinqüenta e Sete:

domingo, 21 de novembro de 2010

Sobre tufões, levar embora e trazer de volta...

Fiquei lendo besteiras até altas horas da matina.
Só precisava levantar às nove da manhã.
Às oito estava de pé com minha já tradicional nova caneca térmica cheia de café.
Perdi às horas encarando a parede e fazendo nada. Quando bateram onze e meia engoli uns
restos da geladeira para ir ao trabalho.
Estava saindo quando notei o vento levando tudo embora, inclusive quatro dias
ininterruptos de chuva. Um vendaval estava começando e só fui perceber quando estranhamente o vento estava levando meu carro para o lado esquerdo da pista.
Cheguei no lugar onde trabalho e estava deserto. O vento havia levado as pessoas dali também.
A ventania entortou o poste e arrebentou os fios que levavam a força para a repartição. Estava muito escuro e me lembrei naquele corredor úmido e mofado de alguns clássicos do cinema de horror, cheguei até mesmo a imaginar um homem com a cara de couro costurado e uma motosserra nas mãos, grunhindo em minha direção.

Tenho uma imaginação que me rouba do mundo às vezes.

Não haveria expediente pelo incidente da energia, não precisava mais ficar ali.
Que bom, menos seis horas sentado em uma sala úmida sem janela num dia de vento forte.
Voltei para casa pensando no tempo que me sobrava para resolver algumas coisas que normalmente não tenho. Já ia sair quando lembrei que a carteira estava no apartamento. Subi para pegá-la e aproveitei e me servi de mais café. Sentei no meu sofá e fiquei olhando para a parede e ouvindo a melodia odiosa que o vento estava a fazer em minha janela. E fiquei assim por um bom tempo. Fiz pipoca, que adoro, mas a mesma não tinha gosto. O café sim, tinha.
O vento acabou levando as horas também e acabei não fazendo nada todo o dia.
Não tinha ânimo para encarar o vento, nem para sair do sofá.

O vento levou todas as minhas energias.

Esse tufão violento levou tudo a minha volta embora, mas trouxe uma melancolia que eu havia perdido há dias.
Mas ela voltou diferente, eu não estou entristecido como estava antes, estou apático.
Estou com um leve receio que a ventania tenha levado meus sentimentos junto as nuvens de chuva que me davam pingos na janela que tanto me acalmaram nos últimos dias.
Espero que a chuva que vai demorar a vir os traga de volta antes que o vento leve embora mais alguma coisa.

Grito Número Cinqüenta e Seis:

quarta-feira, 10 de novembro de 2010


Dr. Jekyll Está Morto

O Mr. Hyde tomou conta de mim.
Fez de mim o monstro de dois metros e tanto, com a força de vinte homens.
Mordeu e arrancou uma orelha do homem distinto.
E a camisa
branca que ele usava, ficou manchada de sangue.
Não vai mais sair essa mancha.
Nem com cândida, sabão de coco, nem com água oxigenada.
Porque o Mr. Hyde, na verdade, além de não saber lidar com roupa suja, mordeu foi a própria orelha.

Grito Número Cinqüenta e Cinco:

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Sobre eu querer, fingir e ser várias coisas, como por exemplo, o cachimbo do Magritte


Sei que às vezes eu não me conheço muito bem.
Forço um caminho sem efeitos colaterais.
Forço uma gravata no meu próprio pescoço.
Forço uma ambição por alguma coisa que não me importa muito.
E são nessas investidas que eu me sinto como o cachimbo do Magritte.
Eu estou ali, sendo um cachimbo, mas a escritura diz que não.

O que eu sou então, porra?

Eu sei que eu amo o cheiro e o gosto de café.
Sei que eu tenho uma paixão enorme, aparentemente sem motivos, por fiordes.
E que um dos meus maiores sonhos, é sentar sozinho na beira de um deles, numa tarde com um pouco de vento, nada forte, e fumar um cachimbo observando a água bater nas pedras.
Eu sei que eu quero ler muito mais do que eu já li, conversar muito mais do que já fiz, amar muito mais do que amei e visitar lugares que ainda desconheço.
Mas não quero viver mais do que eu vivi, pois o que já passou já está bom para mim.
Eu só quero me encostar numa árvore e saber muita coisa sobre livros e cachimbos.
Porque eu sei, lá no fundo, que mesmo o livro dizendo, "Ceci n'est pas une pipe", eu sou um cachimbo, com um braseiro queimando bonito lá dentro.



Grito Número Cinqüenta e Quatro:

sábado, 6 de novembro de 2010

Sobre o dia em que saí procurando por um fiapo de paz ou só o som dela...

Já me levantei atrasado, um somatório da insônia da última noite com o horário de verão.
Saí atropelando toda tralha do chão do quarto mais do que bagunçado e comecei a procurar por meus óculos que não havia encontrado por todo o final de semana. Era uma segunda-feira.

Que dia odioso são as segundas-feiras.

Como o primeiro período das aulas já estava morto, fui até o trabalho verificar se meus óculos
não estavam por lá, mas não estavam. Eu sempre perco as coisas.
Para não sacrificar o segundo horário corri então para a faculdade. Cheguei lá no mais perfeito
timing. Entrei e comecei a ouvir toda aquele vomitório sobre legislação contratual.

Como me cansa.

Quando o professor juntou suas tralhas, fui pedir uma reavaliação de minha última nota. Melhor
dizer do último desastre que chamou de nota. Ele disse que se fosse corrigir, seria com "reformatio in pejus", ou seja, comigo correndo o risco de me afundar ainda mais. Respondi que tudo bem, pois pior do que estava, eu duvidava que poderia ficar. Ele tentou se esquivar e disse para eu recuperar na próxima avaliação. Eu sei que ele foi simpático e não quer me ferrar.
No ato, me vi atuando como Holden Caulfield e indo embora de Pencey, com os pesares dos professores.
O pior de tudo é que eu estudei pra essa merda. Sou mestre em estudar e me foder.
Quando acabaram os pedidos de misericórdia fui para casa desfrutar dos meus quinze minutos de almoço diários para engolir o que der tempo.
Segui então para o trabalho.
Do trabalho, o de sempre, envio de convocatórias de reunião para os membros do conselho, fotocópias, checar correspondênica e permanecer na gaiola sem janelas que é o meu local de trabalho.
Depois do meu superior se mandar, bati o ponto e saí mais cedo para ir ao médico.
Tento há tempos resolver minhas dores no ombro e dessa vez recorro a fisioterapia. Começarei
logo mais, como último recurso.
Esperei como um imbecil pelo atendimento, a secretária do médico me tratou com todo desdém,
pois critiquei o sistema de atendimento da clínica e da incompetência dos empregados, que obviamente, por dias, me fizeram de idiota. A espera me serviu pelo menos para devorar três capítulos de "O Apanhador no Campo de Centeio".

Há tempos que procuro um personagem em livros que remetam a minha pessoa, o Caulfield lembra muito o garoto que fui anos atrás, muito mesmo.
O médico nem me tocou, olhou todos os exames que levei de antemão de outro médico e de outra consulta.
Pediu outro exame e mandou eu passar com a fisioterapeuta no dia seguinte.

E a dor latejava só para me deixar mais tenso ainda...

Sei que já me parecia um dia dos mais tensos. Dias que tenho a mais pura vontade de queimar
todos os cadernos e jogar computadores na parede.
A espera foi tanta no consultório que perdi minha aula da tarde, já eram quase seis da tarde.
Segui de volta para meu apartamento e quando entrei me senti sufocar, absurdamente sufocado pelos dias e pelas poucas horas.
Não sei se eram as janelas fechadas, as latas de cerveja vazias no canto da cozinha ou a pilha colossal de louça suja.
Mas não havia ar que bastasse para meu peito. Pensei que certamente eu ia explodir, ou em prantos, ou meus miolos mesmo.
Peguei uma nota de dez e fui a pé até o "café das pessoas velhas", bem no coração da cidade.
Comprei dois charutos, um de chocolate e um de cravo-da-índia.
Entrei no carro e fui até a orla da Lagoa dos Patos, engana bem como um genérico de praia, mas as especulações é de que aquilo é um verdadeiro esgoto a céu aberto.
Leva um pouco menos de quinze minutos de carro até lá.
Fui escutando uma banda francesa, que não sei classificar. Não me atrevo a dizer que seja
algo como blues, jazz, pop ou o diabo tocando violoncelo de sunga vermelha.
Foi uma boa escolha de som ao invés dos tradicionais gritos e berros que ecoam das caixas do rádio.
Quando cheguei, já fui tirando os sapatos. Nunca havia tido coragem de pisar na areia, menos ainda de tocar na água.
Pois sei que é suja de esgoto e nunca quis pensar no tipo de porcaria que tem naquela água.
Mas para fugir da escritóriofobia, deixei meus sapatos no carro e segui caminhando pela areia grossa que encontrava
a água, acendi então o charuto com aroma de chocolate e caminhei até o saboroso cilindro de
tabaco se tornar uma bagana pequena. Olhei pra cima e vi umas poucas estrelas. Acho que já havia uns cinco meses que eu não olhava o céu.
Apaguei o charuto na areia e pensei no Holden Caulfield mais uma vez, na cena em que ele leva um soco no estômago, de um cafetão de elevador de hotel, e se flagra depois imaginando dar seis tiros na barriga gorda do infeliz.
Estava frio e ventando muito, mas a água estava morna.
Não tive dúvidas, voltei ao carro e joguei tudo lá dentro: carteira, documentos, dinheiro, telefone
moedas, papéis.
Guardei as chaves dentro da roupa de baixo, do lado do que me proíbe de ser moça.
Voltei ao encontro da areia com a água e me despi, deixei a jaqueta e a bermuda na areia e corri de cuecas pela água, mergulhei de cabeça. Esqueci do esgoto e de todas melecas que poderia encontrar por alí, mas de quebra, esqueci do trabalho, dos problemas,
da tristeza. Não tinha uma viva alma em toda "praia". Fiquei boiando por pelo menos meia hora ali, a água me pareceu até bem limpa.
Mais para o fundo eu via uns peixes pulando, como se fossem golfinhos, foi até que bonito.
Um momento, não sei ao certo, mas creio que um filhote de peixe pulou quase na minha cara
enquanto eu boiava.

Cara, eu morro de medo de peixes desde que me entendo por gente.

Quando saí da água, vesti minha roupa e voltei ao carro para pegar o outro charuto.
Sentei nos bancos de concreto, com uma pequena sensação de paz me cutucando. Meu corpo parecia balançar reflexos das ondas, mesmo eu já estando quase seco.
Avistei um cão errante ao longe e assobiei para ele, mas o mesmo me ignorou.
Apaguei o charuto quando não estava nem na metade, ele já não se fazia necessário. Além do fato de charutos de cravo-da-índia serem uma merda, mas só constatei o fato depois de fumá-lo. As coisas são assim mesmo, só dá pra dizer que é ruim depois da prova.

A noite forte havia chegado enquanto eu me banhava.

Caminhei descalço pelo calçadão e entrei na padaria, pedi um café para viagem e fui tomá-lo em
uma pracinha em frente à padaria, fiquei olhando umas poucas estrelas e a água lá longe.
Chegou então um cão e me pediu um afago, parecia limpo apesar de suas patas traseiras estarem
cheias de dreadlocks no pêlo.
Fiquei afagando o bicho enquanto tomava o café, que estava esquentando o que minha jaqueta
ainda não havia dado conta de esquentar.
Entrei na padaria novamente e pedi uns pães para levar e uma quantia de mortadela, para o
cachorro lá fora.
Eu nunca vi um ser tão feliz com tão pouco e por pouco não levei o ser para casa.
Enquanto voltava para casa, fiquei pensando em mudar para aquele bairro.
Como se estivesse levantando os prós e os contras de ficar longe do centro.
Cheguei no apartamento e comi um dos pães com azeite, depois de um banho quente.
Epifanizei que a água da lagoa estava fria, pois a do chuveiro estava quente. Talvez apenas comparativamente; talvez eu estivesse louco para entrar na água e fingi que ela estivesse morna.
A natação de esgoto havia me esgotado todas as forças.

Depois então, dormi como um anjo de marzipã numa nuvem doce.

Lavei a alma no mar genérico.
Esfriei no vento forte.
Esquentei com um cão errante.

Me lembro que pouco antes de dormir, recordei que ao sair da água, enquanto caminhava pela areia parecia ouvir mil demônios se afogando por ali e cri que aquilo então seria o suposto som da paz.

Grito Número Cinqüenta e Três:

domingo, 31 de outubro de 2010

Ser mulher, sem ser menina

Ela colocou lentes de contato azuis.
E fez do olhar de inocência, pudico; um olhar despudorado.
Pintou o cabelo de sei-lá que cor.
Alisou tudo e colocou uma franjinha até que simpática.
Sugou toda gordura com os canudinhos do médico.
E botou borracha nos peitos.
Se pintou com lápis, muito blush, glitter e sombra.
Passou corretor para esconder o sinalzinho na bochecha.
Se fantasiou de mulher.
Mas a linda meninha que habitava ali dentro, morreu triste e sozinha naquela noite.

Grito Número Cinqüenta e Dois:

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sobre querer tomar mais um pouquinho de conhaque...

Estava lendo. Poema-resposta das minhas crônicas. É legal perceber que alguém se emociona com alguma baboseira que você escreveu. É um sentimento muito bom mesmo.
E eu estava lá, lendo estas respostas e tentando sorve-las quando eu estendi meu braço ao meu copo vazio. A garrafa de conhaque estava na cozinha.
Foi automático, eu quis, enquanto lia, o conhaque.
Mas ele não estava ali.
Tão assim são meus sentimentos, eu quero senti-los e estendo o braço para alcançá-los, mas acaba que eles estão no balcão da cozinha. E já é tarde e fico com preguiça de ir lá pegar.
Nem sei se vale tanto assim o esforço de encher o copo, já que conheço o calor do conhaque.
Mas acaba sempre valendo, pois me levanto e encho o copo e se bebe-lo vou me satisfazer com o calor conhecido, e mesmo que não beba sei que vou acordar de manhã vendo um copo cheio, pelo menos.

Grito Número Cinqüenta e Um:

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Sobre procurar piratas enquanto estou bêbado...

Tomar uns tragos sozinho numa noite de sexta-feira.
Esperar minha testa adormecer.
Chegar naquele momento que nem sei como consigo escrever.
Nem sei como começar a pensar no que quero escrever.
Como consigo estar aqui.
Não sei como cheguei a tentar escrever sobre algo.

E fico beirando o mar, com as mãos nas ondas, tentando pegar alguma coisa, qualquer coisa.
Mas a àgua passa por entre meus dedos e não me deixa de mãos limpas.
Acabo enfiando a cara na água, pra tentar me afogar de mentira, pois sei que sou covarde demais pra aguentar me ver faltando o ar.
Me sobra a boca salgada de mar para lembrar do Tyler Durden que não me acompanha.

Mas, na verdade, quando afundo tudo na beira da praia, só procuro navios naufragados ou piratas amaldiçoados.
O cheiro de rum do meu bafo deve atrair lobos do mar, daí vou tentar me encontrar com um corsário, pra ver se ele acaba levando a dor embora nas pilhagens que ele faz.

Grito Número Cinqüenta:

sábado, 16 de outubro de 2010



Sobre abster-se e permitir

Eu não sou fã de abstinência
Sempre fui fanático do exagero,
De perder minha carne nas unhas
De qualquer um.
Mas eu sei
Que quando voltar,
Quando eu puder voltar a mim
Vou tirar o fone do gancho
Preparar alguns cigarros
E trancar a porta
Por pelo menos três dias
e curtir o exagero que a abstinência me oferece.

Grito Número Quarenta e Nove:

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Eu Me Apaixonei Por Ninguém, De Propósito

Eu me apaixonei por ninguém
Depositei meus votos, devoto
Eu me entreguei ao vento que secou
Meu suor que sempre esteve a me afogar

Dos copos de veneno bebi alguns que contém
Algo que vá para muito além do escopo
De algo que somente maltratou, desditou
O calor de minhas mãos a me congelar

Os restos do corpo
As feridas de mentira
Quisera eu devorar com afinco qualquer alguém

Meus dias de morto
A falsa sede de ira
Eu odiei a mim mesmo, me apaixonei por ninguém

(Somente para poder sofrer isolado, desolado.)

(Como me maltratei, só para poder ter sobre o que escrever...)

Grito Número Quarenta e Oito:

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Sobre Plenitude Esmagada...


Eu me lembro que um dia foi vaso caro. E que uma chuva de concreto esmigalhou tudo.
Os desenhos que se enrolavam na porcelana se tornaram mosaico de nada.

Dadaísmo puro.

Pedaço de lixo com pedaço de verso sem sentido.
Desenhos de patriarcas que não se aceitam.
Desenhos de seios que se aceitam, mas não se entendem.
E claro, fraternidade que não se importa.
Mas estão aí pelo chão.

Como cacos.

Que cortam, que machucam a todo e qualquer movimento do meu corpo fraco.
Que ferem e marcam todo pensamento meu.
Que destróem o ego, que fodem com tudo.
Que se afogam em copos de rum com gelo.
Que geram convicções em individualismo.
Que geram descrença em plenitude.
Que furam canoas e me fazem usar a de Caronte.
E se não quero carona infernal me queimo indo à nado.
E quando bate a ira em minha porta.
Vem mais chuva de cacos, para provar que dá pra esmagar tudo ainda mais.
Até que sobre só poeira do que um dia foi um vaso caro.
Que se ostentava numa sala em que ninguém podia entrar.

Grito Número Quarenta e Sete:

quarta-feira, 29 de setembro de 2010


Sobre escrever com tinta preta...

Havia acabado de publicar um poema-protesto sobre alienação e exploração religiosa, coisa bem ácida, pouco fina.
A obra era intitulada "O vendedor de Homens Mortos", nada mais do que o homem que vendia a imagem de messias ocidentais, para se entupir de moedas de ouro.
Enquanto fazia a publicidade virtual da obra, o chefe do meu chefe, ou seja, meu chefe supremo, me faz a pergunta: "Por que és tão mórbido?"
Respondi o que me veio à mente, disse que me letrei lendo Baudelaire, Augusto dos Anjos e Allan Poe e que havia crescido assistindo a filmes de terror de quinta categoria como "O Palhaço Assassino", meu filme favorito aos 6 anos de idade.
Até hoje, quando assisto "O Massacre da Serra Elétrica", "A Hora do Pesadelo" e outros "clássicos" vejo poesia e homens que só queriam ser entendidos.
Disse também que não vivo só disso, que ao ler "O Pequeno Príncipe", a obra do francês desperta o que há de mais puro em mim. E que sou assim, sou mesmo puro. Que sempre leio da bucolia e do amor de perdição, mas ao momento de traçar as linhas de escritor de botequim, me faltam essas palavras.

Fico mudo.

Por isso prefiro dar meus gritos mudos, por isso prefiro refletir sobre as trevas, pois nelas pareço mais brilhante e reluzente do que talvez eu realmente seja.
Ele disse que havia me entendido e que estava muito bem justificado, de forma muito inteligente.
Reiterei "não sou, nem nunca fui um roqueirinho de vila", minha forma de retratar tudo que sinto através de morbidez se dá de uma forma natural. Talvez eu pilhe esses "corpos verbais" para me sentir mais vivo do que eles. E são nas caveiras dançarinas, que bailam canções esdrúxulas nos cemitérios que vejo, todos dançaremos esta dança funesta um dia, e somente quando nos tornamos esqueletos bailantes que deixaremos todas as diferenças, só quando somos crânios e ossos, nos tornamos homens iguais. As caveiras que eu retrato, somos nós, homens.

Sem classe social, sem cor de pele, sem nada de diferente.
Só quando esqueléticos, nos tornamos homens puros.
E sempre foi isso que busquei, ser puro.
Ver amor nas trevas.
E por ver sinfonia, poesia e amor no lúgubre e no funesto me deixa cada vez mais próximo do que busco ser.

O amor mais puro que existe.

Grito Número Quarenta e Seis:

terça-feira, 28 de setembro de 2010


O VENDEDOR DE HOMENS MORTOS

Homens mortos em vitrines
São heróis em liquidação
Se torpes ou humanos
Mandamos pra exportação

Pois o terceiro mundo acha bonito qualquer coisa...

Homens mortos pendurados
Qual carcaças de açougue
Se fomentar a descrença
Basta estampar a Vogue

Que os ricos irão também se ajoelhar...

O semblante de homens mortos
Estão envoltos em neon
Compre à vista, em mil parcelas
Mas compre esta imagem!

Não a negue
É barata
E você não tem direito a mais nada nesta vida,
A não ser me dar dinheiro!

Para eu limpar meu rabo sagrado com notas de cem...

Enquanto ouve minhas histórias idiotas,
Você come pão com ovo e me engraxa as botas
E com a boca cheia de feridas, me diz amém.





Grito Número Quarenta e Cinco:

domingo, 26 de setembro de 2010

Sobre Galhos e Folhas...

Passei horas caminhando numa alameda estranha às ruas habituais de meus passeios.
Vi folhas outonais entupindo as bocas de lobo.
O cheiro de esgoto era odioso, mas a imagem das folhas úmidas era linda.

Me tocou profundamente.

Eu me senti como a boca de lobo. Cheia de sede, com a água passando tão perto, e, por fim, as folhas me tirando a função, me tirando o destino do colo, que era somente beber toda a chuva que acabaria por me procurar.


Como de praxe, fui tentar observar ao menos uma estrela, que o céu carregado me priva todas as noites em que preciso. Mas ao erguer meus olhos vi apenas a arvore que acompanhava o outono por detrás de uma lua tímida.
Os galhos das árvores me lembraram veias do antigo poster do sistema circulatório de minha primeira escola.

"Eles parecem tão mortos, mas o que faz deles vivos, é a seiva que flui com veêmencia por dentro deles", pensei comigo.
E de certo modo, acabei remetendo a mim mesmo, mais uma vez.

Grito Número Quarenta e Quatro:

sexta-feira, 24 de setembro de 2010


Sobre poupar...

Nunca pude nem mesmo pensar em te amar, nunca deu tempo. Nunca pude nem mesmo pensar, o tempo foi curto para isso também. Eu voltei em um pequeno devaneio, pois você me poupou. Me poupou da dor, do sofrimento, me poupou de viver uma vida desgraçada, me poupou de seguir por anos buscando uma resposta.
Me poupou de uma vida de tentar me enganar que sou mais que uma gozada escorrida, um ledo engano, um pequeno lapso que acabou por cair em seu colo.
Quero lhe agradecer por me poupar de toda essa merda.
Há quem lhe julgue, sempre vai haver quem lhe enfie o dedo em sua direção e não te poupe de comentários maldosos. Não te poupe de desejos de lhe que sinta-se mal e sinta dor.
Mas bem mesmo, estou eu, que me livrei desse inferno cheio de dedos e olhos cegos e hipócritas. Olhos capazes de julgar que um vida de bosta e sofrimento é melhor do que estar em paz.

Estou em paz.
Não há culpa.
Não há vida e com certeza, não houve morte.


Houve um ledo engano e foi corrigido a tempo. Meu amparo está em seus olhos, em sua vida cômoda e em tudo que permaneceu no mesmo lugar.
Espero que quem lhe julgue passe um dia pela dor da ponderação de uma escolha tão difícil.
Houve coragem, dignidade e ousadia.
Não houve crime, não pelas leis da natureza. Os homens e suas leis, são o apoio da constância famigerada que gera cheiradores de cola famélicos.
Se eu tivesse escolha, teria saído de seu útero eu mesmo, mas nunca pude.
O homem que nada crê, nada teme. O homem que não provou do ópio não sentirá nunca a abstinência.

Obrigado por poupar minha vida, não deixando ela acontecer.

Grito Número Quarenta e Três:

segunda-feira, 20 de setembro de 2010



Sobre tampas e ralos...


Abrir a tampa do ralo, deixar tudo escorrer, mandar toda água suja embora.

Lavar a alma.

Mas não adianta, o ralo ainda vai ser um pequeno filtro, o leviano fluido vai embora sem
hesitar, mas as cinzas, a borra do café, as baganas e os sólidos grandes vão insistir em
olhar nos teus olhos.
Vão se unir para formar um caldo infernal, uma massa de lixo que ninguém quer colocar as mãos.

Porque fede.
Porque é asqueroso.
Porque dói demais.

Grito Número Quarenta e Dois:

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Sobre Juventude e Crianças Com Fome

Saí para comprar mais veneno metafórico para meu corpo, na padaria da esquina. Eu o odeio, mas ele se faz necessário para preencher o espaço vazio que está dentro de mim nos meus momentos de escritor solitário, de defunto autor.
Levei o dinheiro certo, sobraram quinze centavos que foram me dados em formato de balas de morango. Ao sair, me deparei com um garotinho de pouca idade, que me abordou pedindo dinheiro ou algo para comer. Disse que não tinha dinheiro, mas cacei as três balas na bagunça do bolso de minha jaqueta, pela pressa de não ficar na chuva, lhe dei apenas duas, pois a última estava perdida em minhas calças junto ao meu molho de chaves e notas fiscais.
Ele havia me chamado de tio. Ora pois veja, tio. De fato, meu irmão teve uma filha há poucos meses atrás, já a vi quando tinha acabado de nascer, eu definitivamente sou tio. Mas o tio a que ele se referia não era sobre relações de parentesco, era um pronome de tratamento.
Enquanto voltava para casa pensei em muitas coisas soobre mim.
Eu tenho vinte e dois anos, tenho fios de cabelo branco em um pedaço específico na cabeça, alguns escondidos em minha barba também. Não gosto de cerveja barata, nem de músicas da moda, prefiro livros do que festejos sem sentido e não gosto de espaços aglomerados de pessoas. Principalmente das pessoas que se dizem felizes, disfarçando suas vidas com repetidas latas de cerveja de grandes corporações. Sem café minha cabeça funciona de forma adversa da que me agrada, meu corpo dói e meus ombros pesam. Uso óculos para ler e muitas vezes me pego com eles na ponta do meu nariz, pois preciso de lentes bifocais que ainda não mandei fazer. Sou um tio de vinte e dois anos com óculos na ponta do nariz lendo que fica lendo sábados noite adentro. Gosto de filmes antigos e coisas que são desprezadas pela juventude de hoje. Minhas idéias e atitudes refletem como as de um senhor em seus quarenta anos.
Gosto de monogamia, de cozinhar e de acordar cedo nos domingos para ouvir música e beber café sem açúcar.
Eu sou novo em meus documentos, mas pelos olhos daquele garoto e pelo reflexo da juventude contemporânea, eu sou velho.

Voltei para a padaria procurar o menino, com uns biscoitos para saciar a fome do garoto, de quebra, um viciado levou-me um-vinte-avos do meu veneno, não lhe enxerguei seu rosto pela escuridão da noite, mas vi suas unhas sujas e senti seus dedos úmidos tocarem os meus; me chamou de "o salvador".
O garoto havia me dado uma reflexão que estava a tempos querendo escrever. Faltava apenas a fagulha para ignição. Me foi dada por uma criança
com fome. Ela merece comer, pois sou um velho de barriga cheia.

Grito Número Quarenta e Um:

sábado, 11 de setembro de 2010


E talvez não fosse nada...


- O que vem causando suas convulsões é um tumor no hemisfério esquerdo do cérebro. Olhe esta tomografia. Há metástase óssea na região da espinha cervical e suspeita de metástase nos rins e no fígado – o médico disse com o ar mais pesaroso do que se fosse um agente funerário – O tumor está pressionando o cérebro contra o crânio e isto explica as alucinações, mas receio não termos mais tempo.
- O que quer dizer com isso? – respondi ainda embriagado pelas explicações quase acadêmicas.
- Quer dizer que receio estimar-lhe mais um mês ou dois de vida. Vou lhe receitar remédios para a dor, alguns anti-convulsivos e algo para as alucinações.
- Eu não quero.
- Não é uma questão de querer. E sim de precisar.
- Então o senhor pegue o seu diploma e enfie no meio do seu cu com PhD. Me resta pouco e você pretende tirar-me a única coisa que sinto. Deixe minha dor em paz. Quanto às alucinações, algumas delas têm me trazido paz. Eu vi o meu pai semana passada.
- Você havia me dito que não se falavam há anos, é bom você resolver seus assuntos.
- Meu pai está morto há oito anos. Ele veio nas minhas paranóias me dizer que sou um merda.
O médico somente olhou para baixo e acho que sentiu vontade de rir, mas controlou-se.
Fui embora sem chance de tentativas de convencer-me que o melhor era ficar catatônico com pílulas que poderiam me transformar em zumbi antes mesmo de eu morrer.
Estava em casa, sentado na poltrona, resolvi descontar a raiva nos copos e pratos, joguei todos na parede, não sobrou nenhum além do velho cálice de servir conhaque de meu avô, respeitei a memória do homem que tentou me ensinar (apesar de ter falhado) a ter autocontrole. Depois fiz jus a ter guardado o cálice, me embriaguei com metade de uma garrafa de conhaque que havia sobrado no armário de bebidas desde que meu avô havia deixado esse mundo, dois ou três anos atrás.
Quando acordei só conseguia pensar no que havia se passado; eram cerca de seis e quarenta da manhã, acordei no meio dos cacos da louça e de uma poça de vômito e bile, da mais fétida possível. Tentava me convencer que a paranóia me criou a imagem de um médico que me dizia que eu tinha câncer até no cu. Mas não era mentira, eu só não queria acreditar.
Olhei para a estante e vi a coleção de livros do Pablo Neruda que nem sequer tirei o plástico que os encapava. Eu era apaixonado por Pablo Neruda, mas nunca sequer havia lido um verso dele. Depois olhei para o quadro de futebol do meu pai, que ficava ao lado do mini-bar. Senti vontade de quebrá-lo, foram diversos jogos que ele havia me levado a força, pois nunca gostei de esportes, nem de aglomerações.
As últimas gotas de conhaque da garrafa negra me tiraram da ressaca moral em que eu estava, por mais que eu bebesse o efeito era adverso do que o das pílulas-zumbi, se assim posso chamá-las. A bebida da noite passada só me fez adormecer profundamente, não me proibiu de viajar em meus pensamentos insanos.
Normalmente, as visões e vozes vêm quando os outros dizem que eu estava convulsionando. Talvez seja algum universo paralelo ou alguma coisa que eu não possa compreender. Talvez seja Deus me poupando de sofrimento, mas não, não acredito que ele se preocupe com esse tipo de merda. Ele me deu uma coleção de tumores, dores e alucinações, mas não me deu medo.
Desde a notícia de que a merda havia sido jogada no ventilador e que o cancro havia dominado tudo que era víscera dentro de mim, eu não sentia mais medo. Eu sabia que ia morrer, mas também não estava aliviado.
Passei a manhã toda sentado em minha poltrona aveludada vermelha só olhando para a parede com as marcas da festa de pratos que fiz nela ontem. Pensei na minha vida, nos meus quase trinta anos. No curso de gastronomia, nos livros de Pablo Neruda, nas mulheres que me deixaram. Pensei em tudo que não fiz. Havia oscilado a luz e o despertador marcava uma hora estranha, ele despertou o que julgava ser meio dia, mas eram... bem, não quis mais saber das horas, o tempo não importava mais.
Ajeitei a calça e saí sem camisa na rua. Nevava, mas não senti frio.
Dona Edwiges, a vizinha abelhuda e infernal disse bom dia. Dei a ela o que mais precisava desde o início de sua viuvez. O meu dedo médio bem alto. Acho que ela entendeu o recado, pois apenas abaixou a cabeça seriamente.
Passei anos da minha vida de terno, esperando aviões atrasados, passei anos lendo livros de economia ao invés dos que poderiam me despertar algum interesse; trabalhei por oito anos ininterruptos em uma financeira que era especialista em deixar velhinhos sem dinheiro para seus remédios, um trabalho idiota e vil, de macaco treinado, não sei no que me serviu o mestrado e o diploma em Ciências Econômicas além de pagar as contas de luz que nunca acendia e da TV a cabo com 300 canais, que obviamente, nunca assistia.
Aonde eu cheguei com minha vida miserável? Criei a rotina de algo que nunca fui eu. Ignorei o tempo que tinha e agora o tempo vai me devorar em menos de 60 dias, de acordo com meus médicos.
Fui andando pela neve sem camisa e sem frio até o Hospital Geral da Cidade, lugar onde meu pai morreu de câncer e me deixou de herança uma caixa de charutos cubanos, remorso, raiva e tumores pelo corpo.
Entrei e fui ao quarto 303, terceiro andar, onde foi a última vez que o vi, estava magro e feliz em me ver, obviamente não era ele naquela cama. Foi ele mesmo que mandou me chamar, para se despedir ou algo assim, obviamente era o que chamam de “memento mori” ou morfina demais em suas veias, nunca irei saber.
Uma enfermeira me viu de calça e sem camisa e tentou me abordar, mas antes que ela pudesse me dizer algo eu disse “bateria de exames” apontando para meu peito. Ela acreditou e me deixou em paz.
Após subir mais dois lances de escada até o quarto andar, passei em frente ao quarto 405, onde meu avô partiu, havia uma senhora de cabelos roxos no quarto, ela me sorriu com pesar, como se pudesse me ver por dentro, mas acho que o pesar era para ela mesma. Lembrei me de quando meu avô me ensinara a fazer pipas, a tocar uma velha gaita que tinha e me ensinou a gostar de Beethoven. Eu nunca gostei de música clássica, mas gostava de Beethoven, bem como nunca gostei que fumassem perto de mim, mas sempre fui apaixonado pelo cheiro do cachimbo de meu avô. Tudo em meu avô sempre me fez bem, sua imagem sempre me trouxe a melhor sensação de aconchego.
Sentei-me próximo a escadaria de incêndio e matutei sobre a minha covardia de nunca viver o que sempre sonhei, em viver apenas um reflexo patriarcal de um pai que desprezei por anos. Vi então a imagem de meu pai, desta vez a imagem clássica, um gordo maldito embutido em um terno italiano de setecentos dólares. A imagem dele estava nítida como nunca esteve em minhas paranóias cancerosas, eu o vi hesitar em entrar a porta em que eu estava logo a frente, como sempre, não me notou estar ali. Uma enfermeira falou com ele e a ouvi dizer algo sobre seu filho que não consegui entender. Pensei que a imagem estava se tornando realista demais, primeiramente achei que poderia se tratar de fantasmas realmente, mas quando me aproximei da imagem ele adentrou o quarto de supetão. Foi quando nada mais fez sentido. Não sabia mais no que acreditar, pois quando abri a porta para encontrar o mínimo de certezas para minha mente ensandecida e tomada de tumores, me deparei com um homem em coma e seu pai apenas o fitando com descaso. O homem era eu.
Neste instante gelou-me os pés e as orelhas, era uma aflição melancólica, havia a certeza mais pura em meu peito, eu estava morto. Era a porra de um espírito vagante que sempre disse que não existiam. Mas me enganei, eu estava vivo, só não sabia ao certo se eu era o homem do coma sonhando que andava pela neve sem camisa e sem frio ou se era um homem pela neve que resolveu psicosomatizar um hospital no meio do gelo.
Sei que a duvida de não saber em que crer me fez vomitar e atordoar por minutos, quando sem demasia, me desmontei ao chão na beira da cama naquele quarto branco de hospital.
Quando acordei havia uma enfermeira ao meu lado, estava realmente num hospital. Perguntei o que havia acontecido, pois havia misturado paranóia e realidade.
Ela me explicou com um sotaque estranho (acho que ela era uma alemã ou austríaca erradicada por aqui):
-Você escorregou no seu banheiro e bateu a cabeça duas vezes, na saboneteira e no chão. Você esteve em coma por dois dias, creio que maior parte do que você vem achado estranho devem ser sonhos.
Neste momento tive a maior epifania de todos os tempos, eu não era tudo o que narrei nesta história que tentara me deixar menos patético do que eu sou. Eu era sim, um economista frustrado, mas com todos os versos de Pablo Neruda lidos, pois sempre foram a simplicidade de suas palavras que me mantiveram vivo no ninho de escorpiões em que decidi viver. Neruda me deixou com um mínimo de gosto de estar vivo, tão vivo como meu pai, que matei nos meus sonhos, para justificar sua ausência. Para justificar nosso orgulho sempre iremos sonhar que somos grande coisa, como a porra de um órfão. Talvez fosse melhor ser um órfão do que se desapontar todos os dias com alguém. Não via ou falava com meu pai há oito anos, mas só de pensar naquele velho gordo e imundo eu já me desapontava. Pelo fato de ter sido o maior amor do mundo, tudo que estive constando de meu avô era real, tão puro que minha mente não precisara me ludibriar com histórias hipócritas da Mamãe Ganso para acalmar os pensamentos de um frustrado de merda em estado de coma. E toda essa percepção de realidade veio como um tiro de bazuca, em um segundo tudo fazia sentido e conseguia distinguir as memórias das mentiras. Foi quando voltei-me para a enfermeira, que mal entendeu meu semblante epifanista e disse:
- Me lembro da queda. Me lembro de tudo.
Ela respondeu com o mesmo sorriso pesaroso de meus personagens que criei no meu pequeno coma:
- Vou avisar o médico que você acordou e está lúcido. Com sua licença.
Estava feliz por estar acordado, por não estar doente, mas por outro lado, enquanto o médico não chegava ao quarto fui abatido por uma melancolia, pois sabia que eu voltaria a ser o mesmo pedaço de merda de cavalo que sempre fui, que jamais teria coragem de agir com a bravura e rapidez instintiva como se estivesse com câncer. No meu sonho de coma, eu encarei a doença como meu momento de resolver e refletir o que deixei para trás e o que deixei de fazer, pensei que sobraria tempo para matar todos os demônios, mas não deu, pois acordei aquele velho covarde de sempre. Quando sonhei nunca neguei minha doença fictícia, nunca disse nada do tipo “talvez não seja nada, talvez não seja nada, pelo amor de Deus, por tudo que não seja nada”, eu só havia ficado atônito em poder transformar tumores em ampulhetas para eu poder morrer com um mínimo de dignidade, eu mesclei realidade com ficção e nem sei dizer que tipo de dignidade eu poderia ter quando acordei de um coma de dois dias com a testa enfaixada. Acho que talvez eu quisesse que a morte me perseguisse, para eu poder trabalhar com ela sob pressão.
O médico de olhos esverdeados adentrou no quarto e interrompeu meus pensamentos, ele me tratou como um paciente de quatro anos ao me examinar, mas disse pouco, quase nada.
Depois de me auscultar, checar reflexos entre outros procedimentos que um economista não faz questão de entender, sentou-se ao meu lado.
Disse com a voz mais branca que já ouvi:
- Você teve uma queda e ficou em coma por dois dias, foi uma concussão, talvez não seja nada mais.
-Eu tive é a chance de morrer de câncer como a porra de um herói pessoal, que só eu poderia admirar, mas sou a porra de um vadio escorregadio – pensei, mas não disse.
-Mas temos mais que sua concussão para se preocupar.
-O que quer dizer com isso, doutor? – respondi sem entender.
-Nós fizemos uma série de tomografias enquanto você dormia, nós descobrimos que você tem um tumor grave em sua cabeça...........

Grito Número Quarenta:

domingo, 29 de agosto de 2010

Eu preciso dizer para ninguém, e quando digo ninguém, digo você.

Eu sou Tyler Durden.
Eu sou Alex DeLarge.
Eu sou V.
Eu sou o Demônio.
Eu sou Deus.
Eu sou singular e comum também.
Eu sou o amor mais puro que existe.
Eu me entendi e amei quem sou porque abri uma garrafa fechada por mais de 22 anos e sem saber o que iria encontrar dentro dela, tomei sem hesitar.


Grito Número Trinta e Nove:

Macabea ou Santo Agostinho, não me importa.
Eu sou minha própria revelação.
Sou o luxo que me dou por ser.
Sou minha própria farsa que me assusta.
Quero ser a epifania que eu já sei os resultados.
Somos sujos, somos canalhas de um excesso qualquer.
Somos sexo e somos a busca da pureza.
Somos o que buscamos e o que queremos ser.
Sou a música que meus ouvidos temem em entender.
Somos a esmola de um povo que não se perdoa em viver de trocados.
Eu sou uma merda de filosofia de botequim que temo em aceitar.
Sou meus próprios deuses e copos de veneno em cima de um piano que toca a canção mais maldita que eu poderia temer em ouvir.
Eu sei que posso me surpreender até mesmo com o mosaico da merda que se faz no papel quando limpo meu próprio cu.
Não saber. Não saber. Não saber.
Isso é bom, pois me da sede.
Sede de querer saber o que nunca vou entender mesmo sabendo.
Sede da água que cismo em jogar fósforos acesos, só pra vê-los apagar com o barulho que me faz me apaixonar.
Garrafas de aguardente verdadeiras nos fazem enxergar o que sempre vimos mas temos vergonha de assumir.


A rotina do demônio é fingir que é Deus e apurrinhar os mais crédulos.
A aranha só tece sua teia pois sabe que não vai morrer enforcada nela.
Constância.
Constância.Constância.Constância.
As verdades, principalmente as minhas, não são absolutas, pois vou me surpreender.
Comigo mesmo ou com o fósforo que vai apagar quando eu abrir a torneira embaixo dele.

Grito Número Trinta e Oito:

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Lá em Cima do Piano...

Qual a poesia que tintila em um copo de veneno senão bebê-lo e morrer?
Qual a poesia de estar acorrentado senão para romper os elos malditos que não te deixam voar.
Procurando saídas.
Ser visceral.
Não sei o que você se tornou, mas me encantou tudo aquilo que um dia você foi.
Eu andei precisando sentir o gosto do que um dia foi meu maior veneno. Eu andei pensando em procurar alguma coisa que me faça sentir. Só não sei o que.
Orei para que a neblina cobrisse meus milhões de cadáveres, mas era muito mais fácil ter fechado a porta do armário.
Carrego tudo que eu fui nas minhas vísceras e no meu sangue. Preciso de sanguessugas.
Meu coração pede para palpitar e não para estar em dúvidas.
Porra, eu sou algo que não existe mais.
Eu procurei alguém como você nas minhas palavras, nas minhas trilhas. E se passaram milênios para eu ver que certas coisas nunca mudam.
Certas coisas nunca mudam e eu não sei o que me espera.
Se é um tiro ou um beijo, eu só preciso escolher a arma.
Nos braços que você já esteve hoje estão papéis e canetas que escrevem besteiras.
Eu consegui destilar todo o veneno do peito e colocá-lo em um copo. Mas me diga...

...qual a poesia que tintila em um copo de veneno senão bebê-lo e morrer?

Talvez se bebê-lo eu possa dormir um pouco mais.

Grito Número Trinta e Sete:

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Li há pouco a história de um pássaro morto e como ele fez o escritor refletir. Refleti sobre sua reflexão.
A ave viveu na gaiola que caiu de um alto andar de um prédio; ao chão a gaiola intacta e restos de pena numa estanha sopa de sangue no asfalto.
Já não podemos voar, e os grilhões tem mais força que a vida.
Grilhões, grilhões, grilhões, eu tenho usado demais esta palavra.
Talvez esteja realmente preso, talvez esteja precisando gritar de verdade e não me prender ao teclado, monitor, insônia, cansaço e café.
Ando me sentindo solitário e isto até tem sido bom, pois tenho desabafado comigo mesmo.
Esse texto é o mais visceral que já postei aqui, estou num momento Bukowski, mas não quero que meus gritos sejam pedaços dos diários mentais que componho em minha cabeça.Este espaço é para a arte que sai dela.
Vamos todos morrer, e o que vai sobrar de cada um de nós?
De mim, meus gritos mudos, minha ânsia de viver, minha vontade de ser eu mesmo e de ser ouvido, meus sacos e mais sacos de sementes de flores do mal.
Talvez um film noir sobre qualquer assunto estúpido que pareça genial aos meus olhos.
Ando carregando um fardo que não sei o que é, nem de onde vem, nem o porquê de estar em minhas costas.
Quero que minha gaiola caia de um abismo, para que eu possa sair voando por qualquer lugar.

Grito Número Trinta e Seis:

quinta-feira, 12 de agosto de 2010



A Mão e o Alho

Essa fotografia foi tirada por mim em uma feira, em meados do ano de 2009, na cidade de Santo Antônio da Platina - PR. Foi um momento muito breve, a imagem surgiu, eu vi a poesia naquele instante e o capturei para sempre.
O verdadeiro artista nesta imagem não é o fotógrafo, mas sim esta velha mão, que garimpa caprichosamente as cabeças de alho procurando as melhores dentre as muitas.
Não me lembro do rosto desta senhora, sequer sei seu nome, mas essas mãos mudaram minha vida em muitos aspectos. Principalmente em ver poesia onde parece não existir.

Grito Número Trinta e Cinco:

terça-feira, 10 de agosto de 2010



Um Dia Qualquer

E passam os dias iguais, tão malditos, e ficamos parados mascando vidro.
Não sentimos sabores, mas sentimos a dor.
E a rotina e o tédio são leis que nem tentando conseguimos burlar.
Mover a rotina pro inferno.
Mover o inferno para longe de mim.
As letras dos livros tremem e não me deixam ler.
As luzes piscam sozinhas e o mofo na parede cresce.
Não vai dar tempo de almoçar, como um pão com qualquer coisa no caminho.
Minha tosse oscila a frequência.
Mando o novo acordo ortográfico para o inferno.
Trabalho, rotina, sufoco.
São seis e quarenta, tenho que levantar.
Ponto eletrônico, catraca, suor.
Disco novo da banda.
Fobia de assalto.
Jogos eletrônicos de primeira e última geração.
Indiferença e masoquismo em perguntar que horas são.
Querer ir para casa sem saber onde eu moro.
Não pertencer a lugar nenhum.
O fulano apareceu, finja estar interessado nesse papo idiota.
Seja sintético.
Perdi minhas chaves. Não, estão no bolso da outra calça que rasgou.
Será que eu estou louco?
Pisar em merda de cachorro.
Querer esfregar a cara do vizinho no asfalto e fazê-lo estacionar o carro em outro lugar.
Analisar o arame farpado e se sentir atraído por ele.
Metal enrolado para fazer coação.
Surtos de madrugada, insônia.
Grilhões mentais.
"Você tem escápula alada", diz o médico.
Vou pedir tomografia e ressonância da coluna cervical.
Mais grilhões mentais.
Cadafalsos mentais.
Onde estacionei o carro?
São cinco e meia tenho aulas optativas.
Suicídios virtuais.
Indiferença e pontos finais.
Sem vírgulas nunca mais.
Para onde eu vou depois, se eu nem sei onde estou agora?

Grito Número Trinta e Quatro:

domingo, 4 de julho de 2010

O Dia de Voltar


Grito Número Trinta e Três:

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Deixei o direito, deixei a justiça e tudo aquilo que vós acreditais!
Os processos são papéis sob más influências astrais!
Da justiça dos homens sim, da divina não tentais!
Themis foi violentada por um Leviatã no mais podre dos desejos mais carnais!


Não chorais! Não chorais!
Não esta noite! Não jamais.

Quem sois?
Por que consolas os imorais?
Quem sois?

Eu sou o cancro e a morte, o demônio e o pesadelo, seja em mim o que não poder viver jamais, seja em mim todo fim, todo inferno, toda paz.

Grito Número Trinta e Dois:

terça-feira, 11 de maio de 2010



Vadio Canino

Não me culpe por rasgar seu lixo.
Por ganir do lado de fora em noite de lua braba.
Não é minha culpa estar sozinho.
Eu só quero ir para casa, só não quero estar aqui.

Grito Número Trinta e Um:

quinta-feira, 29 de abril de 2010



Seja parte da diferença.
Seja MAIS que você.

Grito Número Trinta:

domingo, 18 de abril de 2010

Quem matou minhas palavras?

Eu gritei mil e mil vezes. Não funcionou.
Protestos? Centenas durante toda história da humanidade. Só adiou a queda da lâmina das guilhotinas, que caíram injustamente de qualquer maneira. Quem sobe ontem e hoje no púlpito para projetar palavras de bem, mal sabe que há um cadafalso logo abaixo pronto para a execução.

As pedras sempre estão nas mãos dos que houvem e não entendem.
O poder está nas mãos do que entende, mas não concorda.
E os que concordam estão mortos e ninguém nem sente muito.

Houve um tempo (talvez hodierno?) em que se guerreava por mentiras ridículas, por território, por dominação ou por discórdia qualquer que surgia.
E ridiculamente hoje, há quem diga que existe guerra pela paz.
Chove granada, canivete e cabeça de criança muçulmana. Chovem idiotas aos montes para morrer e matar por seu país, que nunca fez nada por eles.
Das minhas palavras saem um sentimento de desejo pela paz e uma esperança triste de que um dia ela surja.

Um garoto de dezoito anos, gargalhando e sorrindo, matou um cão a
pauladas no litoral do Rio Grande do Sul (www.youtube.com/watch?v=l9NfSuCWdgY)
Eu passei por baixo do
Viaduto do Chá mil vezes e cada uma delas vi mil meninos se entorpecendo com solventes e nunca fiz nada. Você aceitou o troco a mais do vendedor e sorriu.
O Brasil é uma nação em paz, dizem as entidades internacionais.

Paz aqui? Nesse inferno?

Bem, a paz não existe; o sentimento que a pomba branca trás quando as asas batem é só o alívio da troca efêmera que resolveu-se
fazer dos morteiros por pingos de garoa.

O arco-íris é uma ilusão de ótica. Sempre vem mais tormenta, cedo ou tarde.

As palavras de paz sempre são mortas por uma guerra que começa dentro de você.
Depois disso algum qualquer sempre as mata mais uma vez, em nome de algo que irá
ruir e crescer, oscilar e permanecer até o fim dos tempos...

SE NÃO MUDARMOS NÓS MESMOS!

Grito Número Vinte e Nove:

quarta-feira, 24 de março de 2010


Eu achei que eu chegaria ao grito número oitocentos aqui sem cantar.
Que não colocaria nenhuma letra das minhas músicas por aqui; visto que são menos poéticas e líricas que o exposto por aqui, e ainda mais sujas, agressivas e de uma parte de mim que se volta a outro movimento, o musical. Porém (sempre o maldito porém) eu creio que essa composição beira a poesia e o lirismo, um lirismo vil e venenoso, mas ainda sim lírico.


TEMPLO RUÍDO

Implodido o zigurate
Não reina aqui mais tua dominação
Findou-se a luta
Ergueu-se a bandeira preta
APÁTRIDA!

O divino em combate
Em contraparte à razão
Sobraram restos de imagens
Despedaçadas ao chão
Derrubou-se mais outra cruz EM CHAMAS! CRUZ EM CHAMAS!

IMPLODAM!
EXPLODAM!
TRITUREM O ZIGURATE!


Da força hercúlea que segurava as correntes
Sobrou somente a labuta
O caráter das déias
Idem aos de puta
Violentada por quem lhe fez oferendas por toda eternidade
Está em chamas o Templo que acorrenta a Cidade.

Malaquias está morto, não há reforma posterior
O inferno está pronto e trata-se da terra
As chamas ardentes estampam a dor
Que está no leito de quem hoje diz que erra

IMPLODAM!
EXPLODAM!
TRITUREM O ZIGURATE
!

O fim dos dias está adiado
Foi ditado pelos homens
Que zombam do Diabo
E de costas ao Papa
Escrevem novos livros
à imagem e semelhança de Zapata

Um Zumbi qualquer dos Palmares queimou um frade
Que profanou o panteísmo
Bento XV queimou panteístas
Que profanaram sua verdade
E então todos os homens queimaram o que tornava podre
Toda a humanidade

IMPLODAM!
EXPLODAM!
TRITUREM O ZIGURATE!
POIS ESTE POVO ENSANGUENTADO
DISSO NÃO FARÁ MAIS PARTE

Grito Número Vinte e Oito:

domingo, 14 de março de 2010


Artista Suicida

Pensou e logo deixou de existir. Descartés errou feio para a moça.
Não adiantou correr da ânsia de produzir arte.
Fazia mal, era a todo momento. Sempre em rabiscos mostrar a ânsia de viver. Rabiscos do mal, a agonia saía do peito e ia ao papel, mas dos olhos ao peito voltavam.
Foi tiro e queda, literalmente.
Um suspiro, um estalo, um esguicho.
Não houve mais música, mais filmes, mais arte.
Mas os miolos no chão formaram mosaicos bonitos.

Grito Número Vinte e Sete:

sexta-feira, 5 de março de 2010

Que sejam poucos, mas bons!

Às vezes passamos tempos e eras com algumas pessoas do nosso lado sem se dar conta do potencial que elas podem ter para nos surpreender. Eis que num dia qualquer, num dia comum a pequena brasa se torna labareda intensa no nosso peito, o bom dia eventual passa a ser necessidade diária.
Numa tristeza sem motivo qualquer que apareça, ele estará lá para jogar cartas e dizer palavras de baixo calão num tom engraçado, só pra te fazer rir ou aquecer a neve fria que se apossou do coração por um instante.
Como se retribui um laço formado tão espontâneamente? Como se agradece pela amizade cotidiana? Como pessoas de interesses tão difusos sentam juntas a mesa para beber e rir com todas as forças?
Já não busco mais respostas para estas perguntas, nem me importo em saber se existe resposta correta ou errada. Só sei que é bom estar aqui, e sei também que não importa como, onde ou quando... sei que você estará lá...mesmo que numa marca.

Grito Número Vinte e Seis:

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010



Ao provar do fruto da razão, Turgel se fez incrédulo de sua própria realidade.

Grito Número Vinte e Cinco:

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Este grito é dedicado a todas as mulheres que se abdicaram de sua sensualidade natural, seja por seus maridos gordos e bebâdos, seja por seram mães solteiras em tempo integral, seja pelo que for...


Derrapadas Perigosas (ou "Perdendo a Cabeça no Meio do Caminho")

As linhas da estrada não formam desenhos, são sempre retas, brancas ou amarelas e estão fadadas a serem uniformes, contínuas e passageiras. As linhas da estrada são todas iguais, não se discriminam, não sentem repulsa uma pela outra, mantêm sempre a mesma distância, porém aos momentos perigosos são capazes de se unir fortemente por quilômetros de existência.
Passa uma, duas, três, vinte, trinta, mil e mal se nota a diferença, elas não irão fugir do caminho programado, não irão te surpreender e se segui-las sem audácia, brandamente, disciplinado elas vão lhe retornar todas suas espectativas, elas pedem somente um pouco de paciência.
Essas linhas são iguais na França e no Brasil, no Japão e na Somália, na Nova Zelândia e na Bósnia-Herzegovina. As linhas da estrada não brigam entre si, são passivas e sempre unem ao invés de segregar.
Há quem diga que as linhas da estrada são traiçoeiras e te mataram a qualquer momento, mas não, ela só quer seu respeito, que a trate bem, que faça o que tenha que se fazer corretamente.
Pois agora eu comparo estas linhas de estrada com as linhas do corpo de uma mulher, estas, meu amigo, não passam despercebidas, enfeitiçam e causam guerra entre os enfeitiçados. As linhas do corpo de uma mulher podem levá-lo a lugares muito mais interessantes que qualquer estrada.
É possivel sustentar que as linhas da estrada enfeiticem por sua continuidade entediante, pois todos amam a rotina branda que a tranquilidade da repetição trás.
Enquanto as linhas da estradas atenuam seus nervos e podem lhe fazer desistir de dirigir, as linhas poderosas de uma mulher o fazem delirar e querer passar por tempos derrapando no sedutor poder que existe desde os olhos até os pés de um ser tão místico quanto uma estrada desconhecida.

MULHERES NÓS AMAMOS TODAS VOCÊS!

Grito Número Vinte e Quatro:

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

No niilismo a fé é considerada simplesmente reação neurológica condicionada como todos os outros sentimentos. E não digo que é isso que eu acredito, não!
Um belo dia, os terços passaram a ser bolotas plásticas, o proselitismo passou é ser intolerável e a convicção nestes fatos a ser repugnante. Aquela imagem cinzenta do homem de braços abertos estampada sobre os morros passou a ser nada mais do que pedra-sabão alinhada.
A divindade passou a ser dúvida, os versículos tinta e os fatos história-para-boi-dormir. A maçã foi oferecida e eu mandei todos enfiarem ela no cu. Violência verbal choca bastante, às vezes só ela pode resolver algumas discussões teo-filosóficas. O maior índice de intolerância religiosa está entre os fanáticos religiosos e não entre as pessoas deístas, agnósticas, atéias e não frequentadoras de reuniões religiosas.
Manter o respeito e a tolerância sempre foi minha filosofia, mesmo sentindo vontade de estampar em muros sua dualidade hipócrita. De pedir o bem e fazer o mal. Porque as minhas verdades não podem ter o mesmo valor? Eu dou valor para a dos outros!
A fé moveu montanhas para alguns, mas para mim o barro continuou sobre meus pés.

Grito Número Vinte e Três:

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Que vontade de ter uma vida pré-moldada. Bem nos moldes da minha imaginação.
Bem sucedido, coleção de ternos de segunda a sexta, fins de semana regados a suor e rock n' roll. Diversas tatuagens, no estilo do mais aventureiro dos sete mares, contando todas histórias da minha vida.
Um apartamento simples, bem decorado, uma hora e meia no trânsito ouvindo um CD com as melhores da minha vida.
Um fliperama e um bar num quartinho minúsculo, uma máquina de café, um curso de barista.
Um cachorro e dois gatos bem gordos.
Um cheiro de cachimbo ou charuto empregnando meu domingo de manhã, bem na minha poltrona, com minha caneca velha cheia de café com os mesmos três pingos de adoçante. O jornal só com boas novas, sem morte, sem besteiras, sem crise.
Um mundo bom e verdadeiro, sem controle, sem sacanagem, sem malandragem do mal...só do bem, aquela de menino novo jogar balões de água na irmã mais nova ou no carro da vizinha.
Tenho até medo que um dia isso tudo se realize, com que irei sonhar nesse dia?

Grito Número Vinte e Dois:

domingo, 24 de janeiro de 2010

Raiou o Sol Sangrento

Era tão belo observar
Dois jovens apaixonados
Mais que carnal
Relação impressionante

Os pais de ambos a censurar
Os corações acompanhados
Inviolável como metal
A proibição deste romance

Mudavam os jovens de lugar
Eternamente acorrentados
Dor infernal
Não esquecer o romance

Numa noite o céu a chorar
Pela alma dos condenados
O preto-e-branco deu espaço ao instinto animal
Destaque ao sangue e sua nuance



o rapaz serrou a cabeça dos avós
sem dó, piedade ou arrependimento moral
sentiu seu coração palpitante
mas era de ódio, não do amor

a menina matava os pais com um martelo enquanto eles dormiam
suja de miolos em nome de um coração fribrilante
mal sabia ela que sua libido era fruto da dor
o rapaz nada mais que um amante

tudo que os pais proibiam
sempre esteve afogado no mar
sob o desejo de empilhar corpos num monte

assim os dois saiam
a se amar, odiar e matar
e a beber sangue direto da fonte

Grito Número Vinte e Um:

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

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Grito Número Vinte:

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010



Ano novo, vida nova até janeiro acabar.
Mudam as décadas, séculos e milênios e os maus hábitos perduram o tempo.
O que você fará do mundo neste ano novo?
Pois eu digo o que pode ser feito:

Vá a pé.
Dê carona.
Coma menos carne (ou não coma).
Use ônibus, trens e metrô.
Dê bons exemplos para todos (principalmente às crianças)
Motive as pessoas.
Produza arte.
Divulgue boas idéias.
Previna-se contra a gravidez e doenças.
Leia mais.
Escute mais.
Sinta mais.
Vote com cautela.
Faça a diferença, nem que seja para você mesmo!
E principalmente, grite pra valer, nem que sejam gritos mudos.