Grito Número Cinqüenta e Três:

domingo, 31 de outubro de 2010

Ser mulher, sem ser menina

Ela colocou lentes de contato azuis.
E fez do olhar de inocência, pudico; um olhar despudorado.
Pintou o cabelo de sei-lá que cor.
Alisou tudo e colocou uma franjinha até que simpática.
Sugou toda gordura com os canudinhos do médico.
E botou borracha nos peitos.
Se pintou com lápis, muito blush, glitter e sombra.
Passou corretor para esconder o sinalzinho na bochecha.
Se fantasiou de mulher.
Mas a linda meninha que habitava ali dentro, morreu triste e sozinha naquela noite.

Grito Número Cinqüenta e Dois:

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sobre querer tomar mais um pouquinho de conhaque...

Estava lendo. Poema-resposta das minhas crônicas. É legal perceber que alguém se emociona com alguma baboseira que você escreveu. É um sentimento muito bom mesmo.
E eu estava lá, lendo estas respostas e tentando sorve-las quando eu estendi meu braço ao meu copo vazio. A garrafa de conhaque estava na cozinha.
Foi automático, eu quis, enquanto lia, o conhaque.
Mas ele não estava ali.
Tão assim são meus sentimentos, eu quero senti-los e estendo o braço para alcançá-los, mas acaba que eles estão no balcão da cozinha. E já é tarde e fico com preguiça de ir lá pegar.
Nem sei se vale tanto assim o esforço de encher o copo, já que conheço o calor do conhaque.
Mas acaba sempre valendo, pois me levanto e encho o copo e se bebe-lo vou me satisfazer com o calor conhecido, e mesmo que não beba sei que vou acordar de manhã vendo um copo cheio, pelo menos.

Grito Número Cinqüenta e Um:

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Sobre procurar piratas enquanto estou bêbado...

Tomar uns tragos sozinho numa noite de sexta-feira.
Esperar minha testa adormecer.
Chegar naquele momento que nem sei como consigo escrever.
Nem sei como começar a pensar no que quero escrever.
Como consigo estar aqui.
Não sei como cheguei a tentar escrever sobre algo.

E fico beirando o mar, com as mãos nas ondas, tentando pegar alguma coisa, qualquer coisa.
Mas a àgua passa por entre meus dedos e não me deixa de mãos limpas.
Acabo enfiando a cara na água, pra tentar me afogar de mentira, pois sei que sou covarde demais pra aguentar me ver faltando o ar.
Me sobra a boca salgada de mar para lembrar do Tyler Durden que não me acompanha.

Mas, na verdade, quando afundo tudo na beira da praia, só procuro navios naufragados ou piratas amaldiçoados.
O cheiro de rum do meu bafo deve atrair lobos do mar, daí vou tentar me encontrar com um corsário, pra ver se ele acaba levando a dor embora nas pilhagens que ele faz.

Grito Número Cinqüenta:

sábado, 16 de outubro de 2010



Sobre abster-se e permitir

Eu não sou fã de abstinência
Sempre fui fanático do exagero,
De perder minha carne nas unhas
De qualquer um.
Mas eu sei
Que quando voltar,
Quando eu puder voltar a mim
Vou tirar o fone do gancho
Preparar alguns cigarros
E trancar a porta
Por pelo menos três dias
e curtir o exagero que a abstinência me oferece.

Grito Número Quarenta e Nove:

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Eu Me Apaixonei Por Ninguém, De Propósito

Eu me apaixonei por ninguém
Depositei meus votos, devoto
Eu me entreguei ao vento que secou
Meu suor que sempre esteve a me afogar

Dos copos de veneno bebi alguns que contém
Algo que vá para muito além do escopo
De algo que somente maltratou, desditou
O calor de minhas mãos a me congelar

Os restos do corpo
As feridas de mentira
Quisera eu devorar com afinco qualquer alguém

Meus dias de morto
A falsa sede de ira
Eu odiei a mim mesmo, me apaixonei por ninguém

(Somente para poder sofrer isolado, desolado.)

(Como me maltratei, só para poder ter sobre o que escrever...)

Grito Número Quarenta e Oito:

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Sobre Plenitude Esmagada...


Eu me lembro que um dia foi vaso caro. E que uma chuva de concreto esmigalhou tudo.
Os desenhos que se enrolavam na porcelana se tornaram mosaico de nada.

Dadaísmo puro.

Pedaço de lixo com pedaço de verso sem sentido.
Desenhos de patriarcas que não se aceitam.
Desenhos de seios que se aceitam, mas não se entendem.
E claro, fraternidade que não se importa.
Mas estão aí pelo chão.

Como cacos.

Que cortam, que machucam a todo e qualquer movimento do meu corpo fraco.
Que ferem e marcam todo pensamento meu.
Que destróem o ego, que fodem com tudo.
Que se afogam em copos de rum com gelo.
Que geram convicções em individualismo.
Que geram descrença em plenitude.
Que furam canoas e me fazem usar a de Caronte.
E se não quero carona infernal me queimo indo à nado.
E quando bate a ira em minha porta.
Vem mais chuva de cacos, para provar que dá pra esmagar tudo ainda mais.
Até que sobre só poeira do que um dia foi um vaso caro.
Que se ostentava numa sala em que ninguém podia entrar.