Grito Número Cento e Dez:

segunda-feira, 25 de julho de 2011

UM GRITO MUDO


A vivência rotineira e plástica se espalhavam como cicuta em seu sangue.
Então veio o grito, abafado pelos reis e deuses dos outros.
No fim, serviu de antídoto para o mal-estar de seu peito.

E também para oitocentos outros peitos.

Grito Número Cento e Nove:

sexta-feira, 22 de julho de 2011

CORAÇÃO DE TINTA

Retrato de Jeanne Hébuterne - Amadeo Modigliani, 1919.
Óleo em tela. 55 x 38 cm. Colecção privada.

Sabia que tratava-se de uma desconhecida que cheirava cigarros e bebida barata.
Que sua lista de amantes era a própria lista telefônica.
E que sua pele tinta restos de tinta-óleo que a deixavam com aparência mendicante.
Mas seus olhos infantis e postura libertina eram analisados à distância e seriam admirados para sempre, como um pai que observa sua filha ao balanço.
Não era de um amor sensual ou carnal, eram apenas olhos de um senhor de bigodes brancos amante de poesia que admirava velhas pinceladas de pintores marginais.
O bigode cobria parte da boca, mas qualquer um próximo a ele saberia que tratava-se de um sorriso inocente.

Grito Número Cento e Oito:

sábado, 16 de julho de 2011

DA FAGULHA AO SOL, DO SUOR AO TROFÉU

Fiz uma lista em papel pardo com o nome dos mil demônios que me atormentavam.
Incendiei o maior deles, um demônio verde de esperança mentirosa, e fiz das cinzas o fim do carnaval.
O segundo, menos forte, esfaquearei e farei das tripas coração.
E seguirei até o fim dessa lista maldita, até enfrentar o último e fazer de sua cabeça um troféu e celebrarei o fim de guerra.


Grito Número Cento e Sete:

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A NAVALHA ESCARLATE (ou Occam Avermelhado)

Todo o dia me barbeava pela manhã antes de ir ao trabalho. Sempre havia uma nova casca de ferida em meu rosto. Ao momento do corte, a lâmina da navalha refletia tons de vermelho-vivo. Foi a única cor que admirei em minha longa vida, pois as cores de uma navalha tradicional são normalmente entristecidas.
Eu iniciava minha manhã com pedaços de papel no rosto para estancar o sangue. Isso me deixava triste, infeliz como as cores de um cabo de navalha. O pastor da minha igreja dizia para nos barbearmos e pentearmos bem o cabelo, pois somente vagabundos, viciados e outros tipos que deus odeia tem descuido com os pelos faciais. Então deixei de ir aquele templo e comecei a crer em um deus muito complexo com barbas compridas e que não gostava de cicatrizes no rosto, e isso facilitou tudo. Mas como nunca mais a navalha saiu de minha penteadeira, ela nunca voltou a satisfazer minha visão com aquele vermelho bonito.
Depois de uns três anos, minha barba estava na altura do meu tórax, parecida com a do deus que eu acreditava. No dia que notei o comprimento da minha barba eu senti falta da cor refletida na navalha. E pensei que um deus que não gosta de cicatrizes não tem piedade. E pensei em abrir a gaveta. E pensei na minha cor secreta que só eu sabia amar e entender. Então comecei a crer somente em uma navalha que cria cicatrizes me deixando triste pelos cortes e me faz dar um sorriso no canto da boca toda manhã pela cor, mas em pouco tempo eu cansei de me cortar as bochecas. Já não sabia mais no que devotar minhas esperanças.
Pois a grande revolução me veio aos sessenta anos, quando comprei um barbeador elétrico e tinta acrílica para pintar um quadro com as cores que eu gostava de ver toda manhã em uma lâmina. Pendurei o quadro em meu quarto (que não tinha janelas e era escuro e úmido) acima da cabeceira de minha cama, as vezes deitava com a cabeça no pé da cama, para dormir olhando para o primeiro e único quadro de minha carreira como pintor .
Busquei por toda minha vida uma maneira de ser um homem barbeado, não me cortar e de ver a cor do meu corte. E com isso percebi que quando se simplificam as coisas, não preciso de sacrifícios ou de imaginar um deus que me convenha em determinada ocasião. Ah! Hoje em dia acho que creer em um deus que é uma navalha seja uma coisa estúpida, por isso joguei a velha navalha escarlate no lixo.

Grito Número Cento e Seis:

terça-feira, 12 de julho de 2011

A HISTÓRIA DA BRASA QUE DESEJOU QUEIMAR PARA SEMPRE

Quando parecia haver somente um resto de borralho e cinzas frias, uma brasa que o inverno tempestuoso insistia em fazer morrer voltou a ser chama. Uma pequena brisa desabrochou a rosa em botão feita de chamas alaranjadas.
Começou então a queimar o resto do que um dia foi um chamiço e com força bruta transformou toda acendalha, em poucos segundos, numa poeira grisalha e morna.
Alimentada, a pelotinha quente tornou-se um brasido e despertou para uma era de fogo que deixaria Hades a ser comparado com um palito de fósforo, que não queima mais que a ponta de uma cigarrilha.
E seguiu queimando, derretendo o braseiro, queimando os tapetes e fazendo a casa ruir em fagulhas. Queimou a vila e depois o distrito todo. Queimou todas as cidades da região. Consumiu como um fiapo de palha todo aquele país, que nada mais era naquele momento que uma Pompéia violentada pelo Vesúvio .
"Que Não Seja Imortal Posto que é Chama" era agora um verso a ser esquecido, pois ironicamente a labareda já havia queimado todos os livros e todos os corpos de autores do mundo.
E depois de tanto queimar aquele planetinha pequeno, se tornou um grande sol, que iluminou seu rosto bonito em uma manhã de domingo, lhe fazendo sonhar acordada.

Grito Número Cento e Cinco:

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Manchas Velhas de Vinho

Fiz de uma velha receita ancestral mil tentativas.
Mudei os tonéis, a fermentação, as taças e a filtragem.
Tentei envelhecê-lo por décadas.
Desmotivado, desisti.
Agora entendo que as uvas verdes jamais se tornarão vinho tinto.

Grito Número Cento e Quatro:

sexta-feira, 1 de julho de 2011


. PIZZA DE BOSTA .


O Ministro se foi e deixou dor para a família e saudade para os aliados.
Mas para o povo deixou um legado eterno de merenda escolar.