Grito Número Cinqüenta e Nove:

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Química dos Desalmados

Estive bem até agora
Das torturas, sorrisos
Que arranquei dos lábios de uma qualquer
Dos balanços loucos
Desfiz de meus braços
Para de memórias tolas me desfazer

Das cinzas ao vento
O som das almas gritando
Se espatifando em muros de cimento
E nada sobra em sua composição

O gosto é acre, a cova é funda
As experiências mortais
Quanto veneno nestas almas
Que se esvaem no ar
Sem estalos, sem vontade

Lâminas, avante!
Dinheiro, putas, refeições
Mesas de bilhar
Almas a pilhar, sementes de maldade
Horror, iniqüidade
É o que a cidade te oferece de melhor

Das cinzas ao vento
O som das almas gritando
Se espatifando em muros de cimento
E nada sobra em sua composição

Química, química
Ciência e Religião
Café ou Alcoorão?

A moral chocou-se à fé
E destruiram-se os sentidos
Deuses e Homens juntos a ruir
Oração para matar e experiênca para mentir

Química, química
Ciência e Religião
Café ou Alcoorão?


Das cinzas ao vento
O som das almas gritando
Se espatifando em muros de cimento
E nada sobra em sua composição
Química, química
Ciência e Religião
Café ou Alcoorão?

Das cinzas ao vento
O som das almas gritando
Se espatifando em muros de cimento
E nada sobra em sua composição

O gosto é acre, a cova é funda
As experiências mortais
Quanto veneno nestas almas
Que se esvaem no ar
Sem estalos, sem vontade

Lâminas, avante!
Dinheiro, putas, refeições
Mesas de bilhar
Almas a pilhar, sementes de maldade
Horror, iniquidade
É o que a cidade de oferece de melhor

Das cinzas ao vento
O som das almas gritando
Se espatifando em muros de cimento
E nada sobra em sua composição
Química, química
Ciência e Religião
Café ou Alcoorão?

A moral chocou-se a fé
E destruiram-se os sentidos
Deuses e Homens juntos a ruir
Oração para matar e experiênca para mentir

Química, química
Ciência e Religião

Já não creio em fadas, amigo
Falta pouco para os tubos de ensaio me decepcionarem!

Grito Número Cinqüenta e Oito:

terça-feira, 23 de novembro de 2010






                                
Voltava por um longo e seco caminho, fora expulso do Vaudeville.
Os pés descalços marcavam o barro seco.
Alegado que sua fisionomia era grotesca demais para o circo.
Pernas esquálidas, torso monstruoso, face ulcerada cheia de verrugas.
As mãos pareciam galhos finos e secos de outono acompanhadas de uma tatuagem de coração com um nome ilegível.
Para onde iria o homem que nem siameses e mulheres barbadas desejavam?
Continuou a caminhada pensando em quem poderia se parecer com ele, além dos troncos dos bosques.
Se encostou, tentou se recompor. Com vagar, iniciou um devaneio.
Seguiu sonhando em ser um carvalho pelo resto de seus dias.
Os pássaros voavam, o lago refletia os montes do horizonte, o mundo continuava a seguir rumo próprio e o sonho permaneceu.

O homem não, tristemente pereceu mais rápido que qualquer árvore.

Grito Número Cinqüenta e Sete:

domingo, 21 de novembro de 2010

Sobre tufões, levar embora e trazer de volta...

Fiquei lendo besteiras até altas horas da matina.
Só precisava levantar às nove da manhã.
Às oito estava de pé com minha já tradicional nova caneca térmica cheia de café.
Perdi às horas encarando a parede e fazendo nada. Quando bateram onze e meia engoli uns
restos da geladeira para ir ao trabalho.
Estava saindo quando notei o vento levando tudo embora, inclusive quatro dias
ininterruptos de chuva. Um vendaval estava começando e só fui perceber quando estranhamente o vento estava levando meu carro para o lado esquerdo da pista.
Cheguei no lugar onde trabalho e estava deserto. O vento havia levado as pessoas dali também.
A ventania entortou o poste e arrebentou os fios que levavam a força para a repartição. Estava muito escuro e me lembrei naquele corredor úmido e mofado de alguns clássicos do cinema de horror, cheguei até mesmo a imaginar um homem com a cara de couro costurado e uma motosserra nas mãos, grunhindo em minha direção.

Tenho uma imaginação que me rouba do mundo às vezes.

Não haveria expediente pelo incidente da energia, não precisava mais ficar ali.
Que bom, menos seis horas sentado em uma sala úmida sem janela num dia de vento forte.
Voltei para casa pensando no tempo que me sobrava para resolver algumas coisas que normalmente não tenho. Já ia sair quando lembrei que a carteira estava no apartamento. Subi para pegá-la e aproveitei e me servi de mais café. Sentei no meu sofá e fiquei olhando para a parede e ouvindo a melodia odiosa que o vento estava a fazer em minha janela. E fiquei assim por um bom tempo. Fiz pipoca, que adoro, mas a mesma não tinha gosto. O café sim, tinha.
O vento acabou levando as horas também e acabei não fazendo nada todo o dia.
Não tinha ânimo para encarar o vento, nem para sair do sofá.

O vento levou todas as minhas energias.

Esse tufão violento levou tudo a minha volta embora, mas trouxe uma melancolia que eu havia perdido há dias.
Mas ela voltou diferente, eu não estou entristecido como estava antes, estou apático.
Estou com um leve receio que a ventania tenha levado meus sentimentos junto as nuvens de chuva que me davam pingos na janela que tanto me acalmaram nos últimos dias.
Espero que a chuva que vai demorar a vir os traga de volta antes que o vento leve embora mais alguma coisa.

Grito Número Cinqüenta e Seis:

quarta-feira, 10 de novembro de 2010


Dr. Jekyll Está Morto

O Mr. Hyde tomou conta de mim.
Fez de mim o monstro de dois metros e tanto, com a força de vinte homens.
Mordeu e arrancou uma orelha do homem distinto.
E a camisa
branca que ele usava, ficou manchada de sangue.
Não vai mais sair essa mancha.
Nem com cândida, sabão de coco, nem com água oxigenada.
Porque o Mr. Hyde, na verdade, além de não saber lidar com roupa suja, mordeu foi a própria orelha.

Grito Número Cinqüenta e Cinco:

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Sobre eu querer, fingir e ser várias coisas, como por exemplo, o cachimbo do Magritte


Sei que às vezes eu não me conheço muito bem.
Forço um caminho sem efeitos colaterais.
Forço uma gravata no meu próprio pescoço.
Forço uma ambição por alguma coisa que não me importa muito.
E são nessas investidas que eu me sinto como o cachimbo do Magritte.
Eu estou ali, sendo um cachimbo, mas a escritura diz que não.

O que eu sou então, porra?

Eu sei que eu amo o cheiro e o gosto de café.
Sei que eu tenho uma paixão enorme, aparentemente sem motivos, por fiordes.
E que um dos meus maiores sonhos, é sentar sozinho na beira de um deles, numa tarde com um pouco de vento, nada forte, e fumar um cachimbo observando a água bater nas pedras.
Eu sei que eu quero ler muito mais do que eu já li, conversar muito mais do que já fiz, amar muito mais do que amei e visitar lugares que ainda desconheço.
Mas não quero viver mais do que eu vivi, pois o que já passou já está bom para mim.
Eu só quero me encostar numa árvore e saber muita coisa sobre livros e cachimbos.
Porque eu sei, lá no fundo, que mesmo o livro dizendo, "Ceci n'est pas une pipe", eu sou um cachimbo, com um braseiro queimando bonito lá dentro.



Grito Número Cinqüenta e Quatro:

sábado, 6 de novembro de 2010

Sobre o dia em que saí procurando por um fiapo de paz ou só o som dela...

Já me levantei atrasado, um somatório da insônia da última noite com o horário de verão.
Saí atropelando toda tralha do chão do quarto mais do que bagunçado e comecei a procurar por meus óculos que não havia encontrado por todo o final de semana. Era uma segunda-feira.

Que dia odioso são as segundas-feiras.

Como o primeiro período das aulas já estava morto, fui até o trabalho verificar se meus óculos
não estavam por lá, mas não estavam. Eu sempre perco as coisas.
Para não sacrificar o segundo horário corri então para a faculdade. Cheguei lá no mais perfeito
timing. Entrei e comecei a ouvir toda aquele vomitório sobre legislação contratual.

Como me cansa.

Quando o professor juntou suas tralhas, fui pedir uma reavaliação de minha última nota. Melhor
dizer do último desastre que chamou de nota. Ele disse que se fosse corrigir, seria com "reformatio in pejus", ou seja, comigo correndo o risco de me afundar ainda mais. Respondi que tudo bem, pois pior do que estava, eu duvidava que poderia ficar. Ele tentou se esquivar e disse para eu recuperar na próxima avaliação. Eu sei que ele foi simpático e não quer me ferrar.
No ato, me vi atuando como Holden Caulfield e indo embora de Pencey, com os pesares dos professores.
O pior de tudo é que eu estudei pra essa merda. Sou mestre em estudar e me foder.
Quando acabaram os pedidos de misericórdia fui para casa desfrutar dos meus quinze minutos de almoço diários para engolir o que der tempo.
Segui então para o trabalho.
Do trabalho, o de sempre, envio de convocatórias de reunião para os membros do conselho, fotocópias, checar correspondênica e permanecer na gaiola sem janelas que é o meu local de trabalho.
Depois do meu superior se mandar, bati o ponto e saí mais cedo para ir ao médico.
Tento há tempos resolver minhas dores no ombro e dessa vez recorro a fisioterapia. Começarei
logo mais, como último recurso.
Esperei como um imbecil pelo atendimento, a secretária do médico me tratou com todo desdém,
pois critiquei o sistema de atendimento da clínica e da incompetência dos empregados, que obviamente, por dias, me fizeram de idiota. A espera me serviu pelo menos para devorar três capítulos de "O Apanhador no Campo de Centeio".

Há tempos que procuro um personagem em livros que remetam a minha pessoa, o Caulfield lembra muito o garoto que fui anos atrás, muito mesmo.
O médico nem me tocou, olhou todos os exames que levei de antemão de outro médico e de outra consulta.
Pediu outro exame e mandou eu passar com a fisioterapeuta no dia seguinte.

E a dor latejava só para me deixar mais tenso ainda...

Sei que já me parecia um dia dos mais tensos. Dias que tenho a mais pura vontade de queimar
todos os cadernos e jogar computadores na parede.
A espera foi tanta no consultório que perdi minha aula da tarde, já eram quase seis da tarde.
Segui de volta para meu apartamento e quando entrei me senti sufocar, absurdamente sufocado pelos dias e pelas poucas horas.
Não sei se eram as janelas fechadas, as latas de cerveja vazias no canto da cozinha ou a pilha colossal de louça suja.
Mas não havia ar que bastasse para meu peito. Pensei que certamente eu ia explodir, ou em prantos, ou meus miolos mesmo.
Peguei uma nota de dez e fui a pé até o "café das pessoas velhas", bem no coração da cidade.
Comprei dois charutos, um de chocolate e um de cravo-da-índia.
Entrei no carro e fui até a orla da Lagoa dos Patos, engana bem como um genérico de praia, mas as especulações é de que aquilo é um verdadeiro esgoto a céu aberto.
Leva um pouco menos de quinze minutos de carro até lá.
Fui escutando uma banda francesa, que não sei classificar. Não me atrevo a dizer que seja
algo como blues, jazz, pop ou o diabo tocando violoncelo de sunga vermelha.
Foi uma boa escolha de som ao invés dos tradicionais gritos e berros que ecoam das caixas do rádio.
Quando cheguei, já fui tirando os sapatos. Nunca havia tido coragem de pisar na areia, menos ainda de tocar na água.
Pois sei que é suja de esgoto e nunca quis pensar no tipo de porcaria que tem naquela água.
Mas para fugir da escritóriofobia, deixei meus sapatos no carro e segui caminhando pela areia grossa que encontrava
a água, acendi então o charuto com aroma de chocolate e caminhei até o saboroso cilindro de
tabaco se tornar uma bagana pequena. Olhei pra cima e vi umas poucas estrelas. Acho que já havia uns cinco meses que eu não olhava o céu.
Apaguei o charuto na areia e pensei no Holden Caulfield mais uma vez, na cena em que ele leva um soco no estômago, de um cafetão de elevador de hotel, e se flagra depois imaginando dar seis tiros na barriga gorda do infeliz.
Estava frio e ventando muito, mas a água estava morna.
Não tive dúvidas, voltei ao carro e joguei tudo lá dentro: carteira, documentos, dinheiro, telefone
moedas, papéis.
Guardei as chaves dentro da roupa de baixo, do lado do que me proíbe de ser moça.
Voltei ao encontro da areia com a água e me despi, deixei a jaqueta e a bermuda na areia e corri de cuecas pela água, mergulhei de cabeça. Esqueci do esgoto e de todas melecas que poderia encontrar por alí, mas de quebra, esqueci do trabalho, dos problemas,
da tristeza. Não tinha uma viva alma em toda "praia". Fiquei boiando por pelo menos meia hora ali, a água me pareceu até bem limpa.
Mais para o fundo eu via uns peixes pulando, como se fossem golfinhos, foi até que bonito.
Um momento, não sei ao certo, mas creio que um filhote de peixe pulou quase na minha cara
enquanto eu boiava.

Cara, eu morro de medo de peixes desde que me entendo por gente.

Quando saí da água, vesti minha roupa e voltei ao carro para pegar o outro charuto.
Sentei nos bancos de concreto, com uma pequena sensação de paz me cutucando. Meu corpo parecia balançar reflexos das ondas, mesmo eu já estando quase seco.
Avistei um cão errante ao longe e assobiei para ele, mas o mesmo me ignorou.
Apaguei o charuto quando não estava nem na metade, ele já não se fazia necessário. Além do fato de charutos de cravo-da-índia serem uma merda, mas só constatei o fato depois de fumá-lo. As coisas são assim mesmo, só dá pra dizer que é ruim depois da prova.

A noite forte havia chegado enquanto eu me banhava.

Caminhei descalço pelo calçadão e entrei na padaria, pedi um café para viagem e fui tomá-lo em
uma pracinha em frente à padaria, fiquei olhando umas poucas estrelas e a água lá longe.
Chegou então um cão e me pediu um afago, parecia limpo apesar de suas patas traseiras estarem
cheias de dreadlocks no pêlo.
Fiquei afagando o bicho enquanto tomava o café, que estava esquentando o que minha jaqueta
ainda não havia dado conta de esquentar.
Entrei na padaria novamente e pedi uns pães para levar e uma quantia de mortadela, para o
cachorro lá fora.
Eu nunca vi um ser tão feliz com tão pouco e por pouco não levei o ser para casa.
Enquanto voltava para casa, fiquei pensando em mudar para aquele bairro.
Como se estivesse levantando os prós e os contras de ficar longe do centro.
Cheguei no apartamento e comi um dos pães com azeite, depois de um banho quente.
Epifanizei que a água da lagoa estava fria, pois a do chuveiro estava quente. Talvez apenas comparativamente; talvez eu estivesse louco para entrar na água e fingi que ela estivesse morna.
A natação de esgoto havia me esgotado todas as forças.

Depois então, dormi como um anjo de marzipã numa nuvem doce.

Lavei a alma no mar genérico.
Esfriei no vento forte.
Esquentei com um cão errante.

Me lembro que pouco antes de dormir, recordei que ao sair da água, enquanto caminhava pela areia parecia ouvir mil demônios se afogando por ali e cri que aquilo então seria o suposto som da paz.