Grito Número Setenta e Quatro:

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

MUDANDO A PERSPECTIVA DO ABISMO

Eu percebi que jamais serei o que idealizei em meus sonhos infantis.
Desisti como um pequeno verme cansado de arruinar os corpos das guerras.
Notei com as têmporas fatigadas que jamais poderei salvar as crianças do campo de centeio na beira do penhasco, pois já tomo como fato: meu coração é de criança, daquele tipo bem sensível.
E me arrebendo no chão caindo de penhascos todos os dias.
Talvez passe hoje, com esta nova epifania, a sonhar com apanhadores a minha espera.

Grito Número Setenta e Três:




Quiçá Jamais....

Grito Número Setenta e Dois:




Sorriso amarelado, que nunca se calou.
E por anos nunca notou, que seria o mais sincero que receberia em toda sua existência.

Grito Número Setenta e Um:

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Nadando em mar aberto desacompanhado (ou O Homem Contra Todos Os Sistemas Possíveis)

Terminal de trólebus, centro de São Bernardo do Campo, Grande São Paulo (talvez já devessem chamar de gigante, colossal ou monstruosa São Paulo).

Desci do ônibus depois de uma pequena jornada de sessenta minutos do sol torrando minha orelha direita por todo o caminho. Era janeiro e o sol castigava minha pele pálida com seus raios violentos.

Faltavam cinco minutos para uma da tarde, horário que havia combinado com minha mulher para nos encontrarmos nas catracas. Fui ao telefone público chamar por ela, pois as mulheres sempre se atrasam para nos encontrar, acho que faz parte do charme delas. Criar uma espectativa flamejante com esperar de uns poucos (ou muitos) minutos.

No caminho para o telefone passei por uma trupe de operários trabalhando no banheiro da estação, senti um dos cheiros mais odiosos que eu tenho memória em meus vinte e três anos.

"Eles deveriam realizar essas obras durante a madrugada, para não incomodar o nariz dos usuários dos trólebus!" pensei comigo mesmo. Mas meus sentidos haviam me traído mais uma vez, pois os meus olhos não enxergaram a verdadeira fonte do mau cheiro: um homem.

Estava do lado de fora da estação encostado em um dos muros, tinha a pele parda e uma longa barba cor de gris, amarelada pelo acúmulo de sujeira.

O homem se encontrava com as calças em trapos, abaixadas até os calcanhares, agachado e de olhos cerrados. Cagava em plena luz do dia, no meio do tumulto do centro da cidade, sem pudor, sem vergonha alguma.

Já não bastasse isso, recortava sua fezes com os dedos em pedaços de uma polegada, lambuzando os dedos e sujando suas unhas com o próprio excremento. A cor dos dejetos era acinzentada, como se o homem houvesse comido jornal para dormir sem fome (o que provavelmente foi seu jantar da noite anterior).

A cena causava um semblante de asco de umas senhoras que se dirigiam a uma igreja evangélica que estava a poucos metros, alguns outros poucos riam do homem, como se aquilo fosse uma grande comédia.

Poucos segundos depois o homem abriu seus olhos e fitou os meus por meio segundo, não havia brilho algum naquele olhar. Pensei comigo no mesmo momento que aquele homem havia conseguido algo (com toda certeza, sem querer) que eu busco até hoje, ele estava, de fato, contra o sistema. Talvez o único punk verdadeiro de todos os tempos.

Em um comunista convicto, atrás de todo discurso de culpabilidade, existiria o nojo de manter qualquer contato.

Em um capitalista selvagem, geraria certamente a ânsia de atirar umas moedas ao pobre, ou pelo menos uma tira de papel para que pudesse limpar seu rabo.

Não importa a posição política, nem a orientação religiosa de quem quer que seja que o olhasse naquele momento. Certamente um olhar naquela cena bestial despertaria algo completamente adverso e antagônico de toda sua crença.

E foi embora, limpando os dedos em sua calça, com a cabeça erguida, como se tivesse certo orgulho de estar contra tudo e todos que o puseram nesta situação.