Sobre Juventude e Crianças Com Fome
Saí para comprar mais veneno metafórico para meu corpo, na padaria da esquina. Eu o odeio, mas ele se faz necessário para preencher o espaço vazio que está dentro de mim nos meus momentos de escritor solitário, de defunto autor.
Levei o dinheiro certo, sobraram quinze centavos que foram me dados em formato de balas de morango. Ao sair, me deparei com um garotinho de pouca idade, que me abordou pedindo dinheiro ou algo para comer. Disse que não tinha dinheiro, mas cacei as três balas na bagunça do bolso de minha jaqueta, pela pressa de não ficar na chuva, lhe dei apenas duas, pois a última estava perdida em minhas calças junto ao meu molho de chaves e notas fiscais.
Ele havia me chamado de tio. Ora pois veja, tio. De fato, meu irmão teve uma filha há poucos meses atrás, já a vi quando tinha acabado de nascer, eu definitivamente sou tio. Mas o tio a que ele se referia não era sobre relações de parentesco, era um pronome de tratamento.
Enquanto voltava para casa pensei em muitas coisas soobre mim.
Eu tenho vinte e dois anos, tenho fios de cabelo branco em um pedaço específico na cabeça, alguns escondidos em minha barba também. Não gosto de cerveja barata, nem de músicas da moda, prefiro livros do que festejos sem sentido e não gosto de espaços aglomerados de pessoas. Principalmente das pessoas que se dizem felizes, disfarçando suas vidas com repetidas latas de cerveja de grandes corporações. Sem café minha cabeça funciona de forma adversa da que me agrada, meu corpo dói e meus ombros pesam. Uso óculos para ler e muitas vezes me pego com eles na ponta do meu nariz, pois preciso de lentes bifocais que ainda não mandei fazer. Sou um tio de vinte e dois anos com óculos na ponta do nariz lendo que fica lendo sábados noite adentro. Gosto de filmes antigos e coisas que são desprezadas pela juventude de hoje. Minhas idéias e atitudes refletem como as de um senhor em seus quarenta anos.
Gosto de monogamia, de cozinhar e de acordar cedo nos domingos para ouvir música e beber café sem açúcar.
Eu sou novo em meus documentos, mas pelos olhos daquele garoto e pelo reflexo da juventude contemporânea, eu sou velho.
Voltei para a padaria procurar o menino, com uns biscoitos para saciar a fome do garoto, de quebra, um viciado levou-me um-vinte-avos do meu veneno, não lhe enxerguei seu rosto pela escuridão da noite, mas vi suas unhas sujas e senti seus dedos úmidos tocarem os meus; me chamou de "o salvador".
O garoto havia me dado uma reflexão que estava a tempos querendo escrever. Faltava apenas a fagulha para ignição. Me foi dada por uma criança
com fome. Ela merece comer, pois sou um velho de barriga cheia.
Grito Número Quarenta e Dois:
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Postado por Dan Arsky Lombardi às 02:28
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1 comentários:
Somos sim mais velhos que a maioria dos contemporâneos. O charme mora justamente no "ir contra a corrente". Ou não. Afinal, o que é ser jovem? Texto sensacional. Consegue envolver e tran smitir até mesmo a temperatura da mão do menino a quem vc levou bolachas. Tocante.
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