E NEM SOUBERAM DA OPÇÃO DE TER UM FINAL FELIZ...
Fui o primeiro a entrar no carro. Meu trajeto demorava pouco menos de hora e meia de ônibus. Enquanto as pessoas embarcavam do terminal para o comboio, reparava nos tipos que entravam: mulheres religiosas, malandros de bar, mães feias com crianças de colo igualmente feias, até mesmo um policial fardado com um bigode eriçado.
Quando entrou uma moça vistosa, de cabelos longos e dourados, vestindo preto (contrastando com sua pele branca) e portando um decote raso e modesto no busto. Sorri, não por sua beleza ou coisa que o valha, pois eu sorrio para as pessoas que olham para mim por mais de dois segundos. Normalmente quem é reparado ou flagrado reparando, devia o olhar. Pois eu gosto de sorrir, como se estivesse oferecendo algo de valor com meus dentes amarelos de café.
A mocinha se aconchegou no assento a minha frente. Na diagonal sentou um homem de vestes sujas e pele destruída e enrugada de sol, com olhos de cor de águas caribenhas, não se pode dizer se são azuis ou verdes.
O homem ficou fitando o decote da moça e mordia os lábios, virava o corpo e repetia a ação a cada par de minutos. Parecia fingir ser uma estrela do pornô prestes a entrar em cena. Foi aí que comecei a me incomodar com a ação reiterada do indivíduo. A pobre moça, violentada com aqueles olhos claros e febris não havia reparado no que estava acontecendo.
Eu penso que não há mal em reparar e desejar as belas mulheres da metrópole, mas que isso não passe de jogos de olhares respeitosos e desejos internos, sem que caiam na vulgaridade de animais no cio.
E o olhar febril seguia...
Pois quando resolvi me levantar e colocar-me em pé frente a garota, numa atitude heróia e quixotesca de proteger Dulcinéia alheia dos olhos insistentes, um homem gordo, que cantarolava uma música popular de gosto duvidoso, obstruiu a visão do observador maltrapilho e vulgar.
E foi neste dia que Sancho foi herói sem se dar conta. E é assim todos os dias, em São Paulo e Pequim, em Nova Iorque e Paris, em Dublin e Moscou, mulheres são salvas por seus heróis e ambos não percebem e acabam por nunca saber que o adequado é que vivam felizes para sempre.
3 comentários:
Adoreeei.!
Realmente, ele podia estar só olhando, mas chega uma hora que incomoda, mesmo.
Você sendo um observador que reparou ou você sendo a própria moça. De qualquer forma, dá vontade de dar um basta na situação.
Alguns desses caras, com olhos de cor de águas caribenhas, ou não, olham muito furtivamente e é como se tivessem tirando pedaço, apesar do velho ditado que olhar não tira pedaço..Parece que não, mas figurativamente, tira sim.
Ahh..e adorei a referência àquela crônica "O Amor acaba" ..
Adorei!
Você conseguiu transformar um fato qualquer que passaria despercebido pelos olhos da maioria, até da moça violentada, em um texto que reflete a nossa vida diária.
Ainda me surpreendo por me surpreender tanto por aqui. Lindo!
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