Uma canção de tempos ancestrais veio cair no meu colo por acaso. Não procurei por ela. Simplesmente vasculhando minhas velhas palavras encontrei seu título perdido pela volta.
Foi então que resolvi escutá-la. E cada acorde, cada palavra, cada batida me lembrou um pouco do antigo Dan, o que esteve aqui antes deste velho eu-lírico das crônicas com o lema "66 anos em 23".
O garoto que trocou os tazos e revistas em quadrinhos pelos discos de rock.
O menino que respirava contracultura, que se vestia estranhamente, usava meias amarelas até os joelhos, moicano em pé ou cabelos compridos, amarelos, azuis, vermelhos, púrpura, rosas e verdes.
O garoto que tinha sede por filosofia, que lia Nietzsche e teorias anarquistas e estava "cagando" para o parnasianismo, para o "lirismo comedido", do "bem comportado" e do "lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho de um vocábulo."
O menino tolo que queria sentar na calçada e não fazer nada até as seis horas da manhã, todos os dias.
O garoto que desenhava crânios e caveiras nos cadernos e carteiras.
O menino que tentou ser crente aos 10, e acho tudo aquilo patético, católico aos 7, e achou patético, bruxo aos 12 e achou patético, satanista aos 14 e sim, achou patético e descobriu que estava acima de tudo isso. Era peça com defeito. Sem encaixe para pinos hipotéticos.
O pequeno homem que achava que mudaria um pedacinho de seu mundo com suas palavras, discursos e seu jeito de agir.
O menino que tão cedo botava fé no jogo do bicho e nunca ganhou. Tomava seus tragos antes de ir para o colégio.
Pichava frases de efeito com tinta vermelha e preta nos muros.
Queria amar alguém intensamente.
Queria gritar intensamente, para que qualquer um pudesse ouvir.
Sonhava alto, baixo e médio.
Ia ao asilo da cidade, por conta própria, e fumava escondido com os idosos.
Não comia legumes, nem frutas.
Era o próprio Holden Caulfield, mas não sabia disso. Tinha os cigarros, o chapéu vermelho, a maleta, o casaco e a dúvida sobre para onde os patos vão quando o lago congela, mas não sabia disso. Tinha vontade de ser apanhador, mas era uma criança perdida no centeio.
E na única vez na vida em que não estava envolvido, no dia em que levaram conhaque para a excursão da escola, ficou com vontade de assumir a culpa, só para encrencar.
Era o garoto que descobriu sozinho o que é ser extremo e viver extremo.
Era o garoto que conseguia acender cigarros no seu próprio inferno pessoal e relaxar entre as chamas e labaredas.
Não fazia sucesso com as meninas, mas as poucas que o olhavam guardaram para sempre alguma coisa.
Achava "tosco" ser normal e sempre sentiu que a normalidade não lhe servia. E tudo o que fez para ser normal era como uma roupa de bebê em um homem muito gordo.
E o tempo passou e passou... e a ânsia pueril adormeceu para sempre.
Mas se da ânsia pueril nada sobrou, convicto estou de que me sobraram os olhos de criança que enxerga um mundo novo a cada segundo, conseguindo admirar formigas fazendo uma fila, folhas secas sobre a grama, um desenho animado dos anos 20 ou um sentimento aparentemente tolo.
Estas são algumas das faces dos garotos que eu fui nos verões passados.
E eu posso te dizer que meu amor por você ainda será forte, depois que os garotos de verão tiverem ido.
(And I can tell you, my love for you will still be strong, after the boys of summer have gone.)