A NAVALHA ESCARLATE (ou Occam Avermelhado)
Todo o dia me barbeava pela manhã antes de ir ao trabalho. Sempre havia uma nova casca de ferida em meu rosto. Ao momento do corte, a lâmina da navalha refletia tons de vermelho-vivo. Foi a única cor que admirei em minha longa vida, pois as cores de uma navalha tradicional são normalmente entristecidas.
Eu iniciava minha manhã com pedaços de papel no rosto para estancar o sangue. Isso me deixava triste, infeliz como as cores de um cabo de navalha. O pastor da minha igreja dizia para nos barbearmos e pentearmos bem o cabelo, pois somente vagabundos, viciados e outros tipos que deus odeia tem descuido com os pelos faciais. Então deixei de ir aquele templo e comecei a crer em um deus muito complexo com barbas compridas e que não gostava de cicatrizes no rosto, e isso facilitou tudo. Mas como nunca mais a navalha saiu de minha penteadeira, ela nunca voltou a satisfazer minha visão com aquele vermelho bonito.
Depois de uns três anos, minha barba estava na altura do meu tórax, parecida com a do deus que eu acreditava. No dia que notei o comprimento da minha barba eu senti falta da cor refletida na navalha. E pensei que um deus que não gosta de cicatrizes não tem piedade. E pensei em abrir a gaveta. E pensei na minha cor secreta que só eu sabia amar e entender. Então comecei a crer somente em uma navalha que cria cicatrizes me deixando triste pelos cortes e me faz dar um sorriso no canto da boca toda manhã pela cor, mas em pouco tempo eu cansei de me cortar as bochecas. Já não sabia mais no que devotar minhas esperanças.
Pois a grande revolução me veio aos sessenta anos, quando comprei um barbeador elétrico e tinta acrílica para pintar um quadro com as cores que eu gostava de ver toda manhã em uma lâmina. Pendurei o quadro em meu quarto (que não tinha janelas e era escuro e úmido) acima da cabeceira de minha cama, as vezes deitava com a cabeça no pé da cama, para dormir olhando para o primeiro e único quadro de minha carreira como pintor .
Busquei por toda minha vida uma maneira de ser um homem barbeado, não me cortar e de ver a cor do meu corte. E com isso percebi que quando se simplificam as coisas, não preciso de sacrifícios ou de imaginar um deus que me convenha em determinada ocasião. Ah! Hoje em dia acho que creer em um deus que é uma navalha seja uma coisa estúpida, por isso joguei a velha navalha escarlate no lixo.
Todo o dia me barbeava pela manhã antes de ir ao trabalho. Sempre havia uma nova casca de ferida em meu rosto. Ao momento do corte, a lâmina da navalha refletia tons de vermelho-vivo. Foi a única cor que admirei em minha longa vida, pois as cores de uma navalha tradicional são normalmente entristecidas.
Eu iniciava minha manhã com pedaços de papel no rosto para estancar o sangue. Isso me deixava triste, infeliz como as cores de um cabo de navalha. O pastor da minha igreja dizia para nos barbearmos e pentearmos bem o cabelo, pois somente vagabundos, viciados e outros tipos que deus odeia tem descuido com os pelos faciais. Então deixei de ir aquele templo e comecei a crer em um deus muito complexo com barbas compridas e que não gostava de cicatrizes no rosto, e isso facilitou tudo. Mas como nunca mais a navalha saiu de minha penteadeira, ela nunca voltou a satisfazer minha visão com aquele vermelho bonito.
Depois de uns três anos, minha barba estava na altura do meu tórax, parecida com a do deus que eu acreditava. No dia que notei o comprimento da minha barba eu senti falta da cor refletida na navalha. E pensei que um deus que não gosta de cicatrizes não tem piedade. E pensei em abrir a gaveta. E pensei na minha cor secreta que só eu sabia amar e entender. Então comecei a crer somente em uma navalha que cria cicatrizes me deixando triste pelos cortes e me faz dar um sorriso no canto da boca toda manhã pela cor, mas em pouco tempo eu cansei de me cortar as bochecas. Já não sabia mais no que devotar minhas esperanças.
Pois a grande revolução me veio aos sessenta anos, quando comprei um barbeador elétrico e tinta acrílica para pintar um quadro com as cores que eu gostava de ver toda manhã em uma lâmina. Pendurei o quadro em meu quarto (que não tinha janelas e era escuro e úmido) acima da cabeceira de minha cama, as vezes deitava com a cabeça no pé da cama, para dormir olhando para o primeiro e único quadro de minha carreira como pintor .
Busquei por toda minha vida uma maneira de ser um homem barbeado, não me cortar e de ver a cor do meu corte. E com isso percebi que quando se simplificam as coisas, não preciso de sacrifícios ou de imaginar um deus que me convenha em determinada ocasião. Ah! Hoje em dia acho que creer em um deus que é uma navalha seja uma coisa estúpida, por isso joguei a velha navalha escarlate no lixo.
5 comentários:
Pelo que pude entender, a sua comparação é muito forte e com muita realidade... eu acho que as pessoas precisam sempre acreditar em algo, que não seja 100% bom, que tenha seu lado mau, pra equilibrar as coisas...
Obrigada pelos Parabéns Dan!
Abraço.
Gostei. Um texto bem diferente dos que costumo ler no teu blog. Mas este me chamou mais atenção do que os outros, simplesmente pelo título. Ao ler, apreciei a narrativa, e minhas conclusões chegaram bem próximas da Patrícia. Entendi que não devemos nos apegar às coisas, que devemos buscar por soluções aos nossos problemas, pois sempre há alternativas, basta descobri-las, e que tudo deve ter seu equilíbrio.
Obrigado.
e aí dan, então...sou péssimo em dizer o que realmente sinto em relação as coisas... mas amei de verdade o texto. no entanto, sinto que a navalha é constante e mesmo você tentando se livrar dela, ela sempre existirá, nesse contexto não será mais um deus, mas se transformará em outra coisa... na arte, na filosofia, na verdade etc... entendo de maneira positiva o texto, a mim serviu como reconhecimento do vazio, mas também da existência da vontade de mudança e do conhecimento.. não sei... é isso, posso ficar explicando dias e não dizer nada... haha parabéns.
Muitas das minhas crenças foram parar no lixo também.
Fico feliz que esse texto tenha passado longe do lixo, e esteja seguro na minha memória.
Muito bom!
sabia que eu sempre leio, mesmo não comentando? :)
Postar um comentário