UMA EPIFANIA PARA DÄN ÄRSKY
Ontem, depois das toneladas de livros técnico-jurídicos que não me dizem muita coisa, fui dormir com dor nas costas.
Hoje descobri que eu mesmo sou meu amigo Tyler Durden e estive andando sozinho o tempo todo. Percebi que ser viciado em café só me deixou gastrite e dentes amarelos e não há na fumaça que sai da xícara sinal qualquer de lirismo. Que Luther Blisset não é o nome de ninguém e talvez seja sinônimo de covardia.
E que quebrar vidraças gera lucro à fábrica de vidros e estimula o comércio de areia.
E que domingo de manhã é só uma hora da semana que tento ser calmo e falho no final da noite, passando-a em claro.
E notei que velhos clichês não tem efeito real na vida dos intitulados poetas: ninguém chora sangue de tristeza, somente de moléstia; ninguém pode entregar um coração em mãos com beleza e ternura, somente em transplantes de miocárdios e ninguém sente a alma do outro, pois elas não existem.
E todo bucolismo acaba no primeiro banho quente e refeições instantâneas carregadas de sal.
E temo crer que somos sacos de carne flutuando ao acaso qual o velho bigode niilista já me disse nos livros que nunca mais li. E talvez seja o melhor negar a vida e viver o nada.
Temo em escolher a pílula azul da mão de Morpheus ou ainda recolher o remédio da lama que só me alivia a dor e deixa meus sonhos para trás.
Sinto-me estagnado refutando contra o que parece não dar paz até que me transmute em laranja mecânica. A minha rotina é um tratamento ludovico.
Estou sorrindo com grilhões nos dentes. Escrevo com dedos algemados e as produções se tornam apenas rascunhos dadaístas.
Nem mijar em um Duchamp me faria um artista.
Meu orgulho se esvai quando o espelho reflete um semblante franchão e bizarro.
Sou iconoclasta, quero quebrar espelhos.
Mas não quero ser iconoclasta de mim mesmo e acabar com os templos de priscas de meu peito, como em "Vandalismo" de Augusto dos Anjos.
Sonhando penso:
-É o carteiro! Tenho uma epifania para Dän Ärsky.
-Passe outra hora, estou ocupado!
Vou amassar estes rascunhos e tentar escrever a bela bizarrice de minha realizadade, talvez amanhã eu tenha um texto ou desenho bonito ou tenha mudado de endereço.
Tocou o telefone. Era Tyler Durden me dizendo para eu não desistir: ele havia tido algumas idéias para charges e textos que iriam ofender várias pessoas sérias e fazer várias sonhadoras brilharem os olhos.
7 comentários:
Você parou de tomar café????
Jamais pararei.
Mesmo em crise criativa vc ainda é mais brilhante e produz mais que 99,99% dessa população nojenta e alienada com quem somos obrigados a conviver e chamar de semelhantes.
sempre bom.
Bruna Barievillo
Porra Dan, fiquei estático ao ler este post. Me enxerguei em cada trecho... Acho que sofremos de uma sintonia de criatividade e de falta dela também.
Te espero para um café aqui em Sto Antônio, meu amigo
Belo tema pra uma canção da Canetaço Robinhood, hein?
Bueno. Vou tomar um café.
Yuri
Fantástico, Dan! Tenho certeza de que essas palavras ficarão na minha mente durante um longo tempo... É que tenho pensado muito sobre isso ultimamente, desde o ano passado, quando entrei pela primeira vez em um laboratório de anatomia e vi corpos frágeis deitados em camas frias – tão matéria – pergunto-me se algum médico, de fato, consegue ver a vida com poesia quando tudo é um amontoado de reações químicas.
E eu poderia escrever um livro sobre as formas e sonhos e histórias que enxergo na fumaça. Eu poderia, sim, mas há tempos os tipos de fumaça que vejo só inspiram repugnância, e estou cansada de escrever sobre o que a pílula vermelha me faz enxergar.
Tyler me chamou outro dia... "Memento Mori".
E tive medo. Medo de escolher o remédio que me faz sonhar e sentir as dores das torturas materiais, tão enganosas e mortíferas quão meus idéias. Mas como lembrar que irei morrer, sem realizar meus sonhos, e escolher o que me livra da dor?
Quebrar vidraças aquece o peito, mas a alma, como bem dito, não existe. Talvez seja este o ápice de minha loucura: aquecer e limpar aquilo que jamais fez parte de mim. A certeza de mais nada causa-me delírios certamente nocivos à minha realidade... Qualquer dia descubro que sou eu mesmo Tyler Durden e me junto à você. Quando tento transcrever minha realidade, com papel e tinta, sinto mais nojo da falsa beleza que dá imundice que me rodeia. Quem dera eu ter outro meio de prosseguir, se não, a ilusão de conseguir...
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