Grito Número Cento e Setenta e Nove:

segunda-feira, 30 de julho de 2012

GREVE DE FOME É PARA OS SEM APETITE


Estava bêbado e começaram seus devaneios potencializados pelo vermute. Seu olhar alçavam milhas e milhas além do balcão do bar.
Imaginou-se sentado em uma esquina, acorrentado a uma placa de trânsito. Fazia um protesto contra a devastação do planeta. Uma greve de fome.
E passavam por sua volta crianças em formas de coxinhas, padres das paróquias tinham formato de pastéis, mas ainda usavam batina. E quando lhe ofereciam de comer, ou mesmo um gole d'água, gritava: "PELO PLANETA, NÃO!"
Foi quando observava o céu escarlate do entardecer percebeu a presença dos piratas do espaço em discos voadores:

-Pilhem as árvores e os animais que restam! Não deixem sobreviventes!* (*traduzido da língua dos piratas jupterianos)

Como um aspirador de pó, tudo de vida foi sorvido pelas centenas de naves gigantescas, exceto pelos humanos.

-Descarregar bombas! - gritou o Capitão da nave-mãe.

Quando imaginou a explosão devastadora, caiu da banqueta e voltou a si.
Gritou ao balconista:

- Quero um pastel de palmito e dois croquetes daqueles recheados. E um torresmo. E um daqueles ovos cozidos azuis.

O amigo, mais zonzo pelos pedidos que pelos coquetéis perguntou:

-Tanto assim de uma vez só? Vai comer por todo mundo?

-Sim, pode ser que amanhã todos estejam mortos... ou, no mínimo, de barriga vazia. Além disso, eu só sei salvar o mundo de barriga cheia. - respondeu enquanto descascava a casca azul do ovo.

Grito Número Cento e Setenta e Oito:

segunda-feira, 23 de julho de 2012

UM PARÁGRAFO SOBRE A VIDA 
(OU COMPLEXO DE AQUILES)

"Sobre a vida"- Dan Arsky - Acrílica sobre tela -  24x16cm - São Paulo, SP


É sempre antes do maior e mais belo passo da vida de um homem que aparece a mais vil e terrível flechada em seu pé. Somente saltitando em apenas um pé que se alcança as coisas boas nesse mundo, mas se cairmos... é o que se pode dizer dessa vida antes da última flecha.

Grito Número Cento e Setenta e Sete:

segunda-feira, 9 de julho de 2012

CONDUÇÃO






Posso arranjar mais energia
Nesse intrépido dia
Com uma xícara extra de café!
Apertado, sufocado,
Amontoado junto à ralé
Pulo do bonde gritando:
"São só vinte quilômetros,
Eu consigo ir a pé!"

Grito Número Cento e Setenta e Seis:

segunda-feira, 2 de julho de 2012

DORIAN GRAY PERDEU A GRAVATA

Levei meus últimos livros de direito civil, financeiro e criminal para o sebo, troquei por uma edição de Dorian Gray e um lote de histórias em quadrinhos. Aqueles livros me sufocavam mais do que o cheiro de mofo e naftalina naquele sebo. Aquele momento era o marco de abandonar a carreira jurídica em potencial para lidar com livros, arte e aquilo que me injeta ânimo. Já não tinha mais nas mãos a possibilidade de saber sobre as leis e os crimes. Entre os caminhos certos da direita e esquerda, saí voando acima dos rochedos. 

O novo era o velho e o velho novo, de novo.
E quando lembro da sensação, penso que poderia ter matado uma pessoa.... Enrolado o pescoço do filho da mãe com meus dedos e apertado aquele pescoço branco até os olhos pularem para fora das órbitas. Eu poderia ter cometido tal crime e cometi. Estava grávido e abortei um advogado filho da puta. Feto no chão, deformado, vil. Pisei em cima enquanto a coisa rastejava, que, tentando alçar a lombada do Damásio de Jesus, não mais se moveu. 
- Nem esse, nem nenhum Jesus vai te ajudar, filhote de rato!

Trocar esses livros me levou a pensar que, de fato, os livros moldam o caráter daqueles que os leem. Sacrifiquei minha gravata de advogado em troca de ser jovem para sempre, como o jovem Dorian, ainda que custe o nobre retrato que adorna a parede e o ego do dono.