ELE E UMA NEUTRALIDADE IRRITANTE
Era uma quarta-feira como qualquer outra, o início do verão verdejava os canteiros da cidade e fazia molhar as camisas, dando assunto a todos para conversas de elevador.Até então era isso, verão, calor e ele saiu do escritório para entr
ar no elevador.
-Calorão, hein? - disse o ascensorista.
Ele respondeu arqueando uma das sobrancelhas grossas.
Térreo, campainha e rua.
Ele trabalhava em um prédio comercial espelhado próximo ao centro. Enquanto afrouxava a gravata estampada em tons espectrais quase neutros, entrou num boteco e sentou-se ao balcão.
-Café, por favor. - as primeiras palavras do dia saíram com esforço de sua boca, finalmente, no final da tarde.
Fumegando, no copo americano, o café foi servido. Tomou em dois goles, parecia sem gosto. Permaneceu passando os dedos no copo e olhando o longe, o perto, os transeuntes trabalhadores e os trabalhadores transeuntes.
Eis que um grupo de colegas de trabalho chegam ali para um happy hour, falando e rindo alto, fazendo piadas sobre times de futebol. Aquilo parecia medíocre aos olhos dele. Rir parecia medíocre aos olhos dele; era como se fosse fácil demais, porém não estava entristecido. Não era triste, nem feliz, em suas veias bombeava aquela neutralidade irritante.
-Você por aqui! Não é de beber! Café? Tem que tomar uma loira gelada com a gente, malandro.
Arqueou a sobrancelha, a mesma que calou o ascensorista, como resposta. Não calou o colega, mas tirou-lhe o sorriso da boca.
- Tá esperando alguém? Aconteceu alguma coisa? - disse o colega curioso e com uma serenidade forçada.
- Não. Estou só esperando algo. - respondeu.
- O quê? - questionou o colega, mais rápido do que pode-se imaginar.
- Estou esperando bater aquela tristeza.
- Pra que isso, cara?
- Para que eu possa esperar ela passar.
Ele levantou-se letargicamente, deixando uma nota de cinco embaixo do copo vazio e saiu do bar para uma longa caminhada, talvez a mais longa, talvez a mais curta de sua vida. Mas isso já não importava.