SOBRE ABRIR OS OLHOS (OU TIRAR O ESCAFANDRO FORA D'ÁGUA)
Vila Mariana, novembro, um homem pede café em um bar, ele comprou um livro sobre mitologia para ler no metrô.
Nasce uma criança no interior do Paraná, ela não tem um dos bracinhos, mas desde que nasceu seus olhos brilham.
Em um museu no sul da Itália, uma mariposa pousa em um escafandro que por anos permaneceu esquecido nas profundezas do Adriático.
E em cada centímetro quadrado, em cada pulso firme ou ferido, acontece um universo. A cada segundo, a coisa mais bela do mundo se aflora e passa desapercebida.
Os sacos plásticos dançam, a folhagem do outono grita por nossa atenção, a natureza não é tímida, tampouco a vida urbana.
Não há lentes, pincéis, penas e papéis que bastem, não há porque de não tentar não engolir todo esse mundo de uma vez.
Há quem diga que não existe mágica nos sacos plásticos, nas folhas, nos escafandros enferrujados; que é plástico, cloroplasto, celulose, cobre retorcido, carne e osso e costume.
Para esses só cabe atenção ao que não é ordinário, e acabam por ver nada além da vida passando.
Possivelmente, nunca um elefante verde que invadirá o bar na Vila Mariana e pedirá um café.
Certamente, não nascerá uma criança com asas, nem no interior do Paraná, nem em lugar algum.
E seria fisicamente impossível um inseto levantar voo e carregar um escafandro até o fim do horizonte.
Há quem ache que é preciso acontecer coisas como estas para quebrar a rítmica da ordinarice.
Mas, essa é a mágica: não há nada nesse mundo que não seja belo o suficiente, desde que você tenha a capacidade de admirá-lo. Viver e sentir já é mais do que surreal.