DUELO
Tenho de reconhecer minha dupla personalidade. Sou um Dr. Jekyll que pega a linha-1 azul do metrô e que faz fila na lotérica para pagar boleto. E o grande problema dessa duplicidade é quando chega o momento do combate; quando ID e EGO são senhores de suas vontades.
"Não quero ler Sérgio Buarque, vamos deixar a prova de lado! Quero beber conhaque com Bukowski, quero assistir pornografia, quero sair pelas ruas e beber água da chuva" diz um lado. Esse mesmo lado, monstro, urinou no despertador e nunca quer saber de prazos. Quer pintar com aquarela e fazer biscoitos de canela, quer procurar livros nos sebos e andar sem porvir no centro de São Paulo. Aliás, esse lado sempre se perde no centro, de propósito.
Esse mesmo lado, gosta de teatro de fantoches e folhear livros de arte moderna. Esse lado quer caipirinha de saquê no calor, quer conhaque com café nos dias mais gelados. Esse lado quer voltar a andar de skate, quer viajar a Buenos Aires no inverno e só pensa em fazer amor fogoso e boêmio, o amor mais canalha possível, daqueles que puxam a moça pelos cabelos e fazem os cabelinhos do braço se arrepiarem. Esse lado gosta de fumar. Esse lado gosta de falar bobagem, sem corar.
Esse lado não quer tirar a agulha dos discos de chorinho e só quer saber de xique-xique e balacobaco. Esse lado faz aviõezinhos de papel com os trabalhos acadêmicos. Esse lado desenha nas margens dos cadernos em toda e qualquer palestra.
E o grande problema, o maior dos problemas, por incrível que pareça, é o outro lado, aquele quadrado, que nunca quer comprar briga.