Grito Número Cento e Trinta e Nove:

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

SOBRE DITADORES MORTOS, MISSÕES TERRORISTAS IMAGINÁRIAS E POMBAS MORIBUNDAS

Pela manhã, enchi minha caneca amarela de café e fiquei observando (pela enésima vez) a fumaça fazer formas divertidas.
Antes mesmo de abrir o jornal, li a manchete. A primavera árabe tinha vencido. Kadafi estava morto. E eu sabia o quanto o povo da Líbia tinha a comemorar. Eu mesmo estaria dançando a morte do símbolo de mais de quarenta anos de ditadura e opressão.
Comecei então a pensar em me tornar um assassino político. Um Guy Fawkes tupiniquim que viajaria até Brasília, detonaria toda a obra do Niemeyer e faria um espetáculo de pólvora e tortura com cada símbolo de corrupção, sujeira e sacanagem que habita o planalto central. Assassinei mentalmente vários políticos que me irritam por simbolizar toda a corja de bandidos que dão destino a esse país.
Até me imaginei sendo preso e dando depoimento para o Jornal Nacional, com aquela cara de fanático atormentado: “O povo brasileiro sabe que sou um herói, um herói do povo!”. Pensei que teria realmente coragem de tirar a vida de um fascista nojento que compra o voto dos mais pobres e ignorantes.
Um tempo depois, estava próximo da Avenida Paulista e resolvi parar em um boteco de segunda categoria para um belisco entre o desjejum e o almoço. Pedi dois ovos cozidos coloridos, um azul e um rosa. Se você é um paulistano e não comeu nunca em sua vida um ovo colorido, não é um paulistano genuíno. Se você não é paulistano, mas já comeu um ovo colorido numa bodega duvidosa em São Paulo, é praticamente um paulistano. O mesmo serve para churrasquinho grego e aqueles torresmos peludos. Vale também para quem tornou tomar café da manhã na padaria um hábito.
Quando saí do botequim, vi uma pomba encostada no canto de uma livraria, que eu pretendia entrar, mas ainda estava fechada. A pomba era toda preta, não fosse o seu formato tão característico, seria um corvo. Ela se equilibrava em uma das patas e encolhia a cabeça para dentro do corpo. Não voava, mesmo se sentindo ameaçada pelos transeuntes. Suas penas estavam opacas e seus olhos piscavam devagar.
Eu sabia (e não era preciso ser um veterinário ou um cientista para notar) que o bicho estava para morrer.
Meu coração se encheu de tristeza ao ver a decadência de um dos animais mais decadentes de todo o reino animália. De símbolo do espírito santo para rato de asas. E aquele pombo em específico, de rato de asas para rato moribundo.
Tentei me convencer de que não deveria ter pena de um animal que é uma praga nos grandes centros urbanos e que é vetor de uma infinita gama de doenças. Mas a decadência da decadência sempre amorna o meu peito. Eu tenho afinidade com o fundo do poço.
Cheguei a conclusão de que não teria coragem de ser o assassino da minha missão imaginária “Fawkes Tupiniquim”, que eu tinha arquitetado pela manhã, pelo simples fato de que eu tinha respeito aé pela vida dos ratos de asas dos centros das cidades. Mas depois concluí que os pombos não são tão asquerosos como os detestáveis de Brasília.
No final, senti que seria incapaz de tirar uma vida, ainda que dos grandiosos filhos da puta que estão no comando. Me senti um inútil por um segundo, mas percebi que a maneira que eu tenho para lutar é minha tentativa de tirar doçura de um cenário cuja protagonista é uma pomba moribunda.

2 comentários:

mfc disse...

Gostei imenso do post!!
Mil vezes a vida de um político desonesto que a de um pombo que nos contagie com mil e uma doenças!

Um abração

Dan Arsky Lombardi disse...

Sinceramente eu prefiro a vida do pombo, pois a doença dele pode ter cura, a do malandro não. É irremediável. Mas não tiraria a vida de nenhum dos dois, isso está acima de mim.