Grito Número Cento e Trinta e Sete:

domingo, 30 de outubro de 2011

MEMÓRIA DO AMADEU

Meu tio Amadeu era dono de um pequeno sebo numa travessa da Teodoro Sampaio. Me lembro de sua imagem sentado entre os livros, fumando seu cigarro, com sua caneca de café nas mãos. Lembro que o sebo era muito limpo e organizado. Brinquei com ele algumas vezes que para o sebo dele criar cara de sebo, tinha que bagunçar todas estantes e deixar tudo úmido.
Me lembro também, com muita nitidez, que nas festas de natal da família ele me perguntava, na mais pura brincadeira, se eu não gostaria de mudar meu nome de Daniel para Amadeu, pois era supostamente um nome muito mais bonito. Ele também me ensinou que de um sanduíche de padaria se faz três, porque na padaria eles sempre põe mortadela suficiente para isso, portanto é só pedir dois pãezinhos a mais junto com o lanche.
Ríamos disso enquanto ele bebia suas latinhas de cerveja sem álcool.
Não éramos muito próximos, mas sempre soube tirar intensidade dos nossos escassos encontros. Amadeu era irmão da falecida esposa de meu tio-avô materno.Era tio dos meus primos de segundo grau. Na verdade, ele era parente dos meus parentes e não meu.
Amadeu não tinha o mesmo sangue que o meu correndo em suas veias. Não éramos parentes de sangue, mas hoje, quando me flagro em meio dos meus livros, segurando a minha caneca amarela fumegante cheia de café fresco e aspirando tudo que é possível ver de belo nesse mundo, vejo que antes de partir, meu tio Amadeu deixou um pouco de seu sangue dentro de mim.

4 comentários:

Anônimo disse...

os laços se fazem muito mais pelas afeições do que pelo sangue.

são [quase] sempre os inesquecíveis.


O Sr. Amadeu daria um ótimo personagem de livro, com todo respeito.

até.
bjo, bjo, bjo...

ps.: gostei do desenho.

mfc disse...

As influências e as identidades suplantam muitas vezes os condicionalismos da genética!

Dan Arsky Lombardi disse...

Raquel Amadei Barbiellini
dani
que lindo
me fez rir
chorar
e sentir saudade
que delicia de leitura,
de lembranca
um pouquinho do seu sangue em mim agora!
simples e lindo!
ele ia amar

Irene Dzimidas
Dan, li seu texto sobre o Amadeu, e penso que certos relacionamentos não podem e nem devem ser explicados pela genética, e esse com o Amadeu é um desses, se vc acha estranho o seu com ele imagine o meu! e tenho um grande carinho e respeito por ele, e assim como vc guardo com usura as conversas que tivemos principalmente na cozinha da casa da Francisco Teles Dourado.Certas coisas só fazem sentido em outro plano, nesse, temos mais é que aproveitar! beijos

Mônica Ferraz de Arruda Algumas pessoas sao inesqueciveis, e deixam em nos uma marca intensa.

Daniel Amadei
Mandou bem xará, e primo dos primos. O sangue tá no grito mudo. Parabéns pelo blog bem inspirado. Que venham as outras centenas de berros, traços e gestos bacanas que você traz no teu grito-sangue de canhoto.

Thiago Ferraz de Arruda Muito bom Dani. Apenas uma correção: O Sebo era desorganizado mesmo e não muito limpo. Ele não era só o nosso tio como o foi e é de todos aqueles que o conheceram. Mande essa imagem em um aqruivo para eu imprimir e colocar no sebo. Ela vai gostar...

Dan Arsky
Eu já entrei em alguns sebos que fariam você mudar de opinião quanto ao do tio Amadeu. Verdadeiras repúblicas de ácaros, mofo e traças. O do tio Amadeu era quase um luxo imperial. hehehe Mandei a imagem e o negativo para o seu email do hotmail.

Thiago Ferraz de Arruda
Já está impresso e logo está pendurado lá !
Agora o sebo tem até computador...
Ele só não se revira no caixão porque foi cremado!
Ele permitiria esse tipo de brincadeira...

Monique Burigo Marin disse...

Sebos sempre me atraíram. Tenho mania de gostar daquilo que me faz mal. Bom é encontrar alguém compatível e disposto a doar aquilo que tem de melhor.
Bela homenagem, Dan!