Grito Número Noventa e Oito:

quinta-feira, 26 de maio de 2011

UM FILHOTE DE GATO

Um filhote de gato acabara de nascer. Era inverno e a gata-mãe limpava toda a ninhada com sua língua longa e áspera. Mantinha um zêlo espetacular.
Por dias, naquele beco sujo e triste, entre as caixas de papel úmidas de neve, um grumo de calor emanava de uma gata parida e sua prole. A felina os aquecia e os alimentava com as tetas cheias de leite morno.
Os gatinhos dormiam com suas barriguinhas cheias.
Numa deixa da matrona de bigodes para buscar algum alimento para si, um pequeno filhote resolveu se aventurar nas ruas geladas. Perseguiu alguns pelos de rabos de cavalho, quase atropelado pelas carruagens. Correu assustado pelas vielas.
E foi assim que perdeu o caminho do beco e do calor de sua madre quente. Por ser filhote, não podia manter o calor de seu corpo, com vagar a tepidez de seu corpo se esvaia.
E passou se arrastando pela neve acastanhada de terra exprimindo seus miados por um colo quente. Mas os barões dos bancos e as prostitutas a fumar seus cigarros não se importavam com um filhote de gato imundo. E clamando pelo calor de um colo, sem qualquer sucesso, desistiu do arrasto e dormiu profundamente por horas.
O pobre filhote teve seu pelo cinza coberto pela neve e seu coraçãozinho, do tamanho de um níquel, parou lentamente de bater, para sempre.
E penso hoje neste filhote de gato e penso no meu coração pisoteado, sem conseguir chorar.

4 comentários:

Anônimo disse...

amei as metáforas...sempre bom, sempre compreensível, cada vez melhor. O texto foi mais um se seus memoráveis socos da boca do estômago literários.
Bruna Barievillo

Nathan Neves disse...

Se fisicamente sou um dos gatos que continuou na ninhada, posso dizer, meu coração é o gato que partiu.
E mesmo gelado e faminto de algo que o alimente, foram essas aventuras de coração que e tornaram o sonhador em potencial de hoje.

Concordo com a Bruna, metáforas deveras prazeirosas e compreensíveis.

Nath disse...

Senti a dor de ver o coração do gatinho parar lentamente
Senti um nó na garanta
E também não consegui chorar .-.

Patrícia Müller disse...

Seu texto me fez imaginar toda a situação e o meu quarto ficou tão mais frio... acabei assistindo ao video que seu amigo aí em cima sugeriu, sorri e esqueci do gatinho enterrado na neve, é isso que a gente faz não é? tapa as coisas ruins com oq é mais agradavel..

ótimo post Dan, parabéns!