Grito Número Noventa e Nove:

domingo, 29 de maio de 2011

. LA OVEJA NEGRA .

caneta esferográfica e uma auto-avaliação

Grito Número Noventa e Oito:

quinta-feira, 26 de maio de 2011

UM FILHOTE DE GATO

Um filhote de gato acabara de nascer. Era inverno e a gata-mãe limpava toda a ninhada com sua língua longa e áspera. Mantinha um zêlo espetacular.
Por dias, naquele beco sujo e triste, entre as caixas de papel úmidas de neve, um grumo de calor emanava de uma gata parida e sua prole. A felina os aquecia e os alimentava com as tetas cheias de leite morno.
Os gatinhos dormiam com suas barriguinhas cheias.
Numa deixa da matrona de bigodes para buscar algum alimento para si, um pequeno filhote resolveu se aventurar nas ruas geladas. Perseguiu alguns pelos de rabos de cavalho, quase atropelado pelas carruagens. Correu assustado pelas vielas.
E foi assim que perdeu o caminho do beco e do calor de sua madre quente. Por ser filhote, não podia manter o calor de seu corpo, com vagar a tepidez de seu corpo se esvaia.
E passou se arrastando pela neve acastanhada de terra exprimindo seus miados por um colo quente. Mas os barões dos bancos e as prostitutas a fumar seus cigarros não se importavam com um filhote de gato imundo. E clamando pelo calor de um colo, sem qualquer sucesso, desistiu do arrasto e dormiu profundamente por horas.
O pobre filhote teve seu pelo cinza coberto pela neve e seu coraçãozinho, do tamanho de um níquel, parou lentamente de bater, para sempre.
E penso hoje neste filhote de gato e penso no meu coração pisoteado, sem conseguir chorar.

Grito Número Noventa e Sete:

segunda-feira, 23 de maio de 2011

UMA EPIFANIA PARA DÄN ÄRSKY

Ontem, depois das toneladas de livros técnico-jurídicos que não me dizem muita coisa, fui dormir com dor nas costas.
Hoje descobri que eu mesmo sou meu amigo Tyler Durden e estive andando sozinho o tempo todo. Percebi que ser viciado em café só me deixou gastrite e dentes amarelos e não há na fumaça que sai da xícara sinal qualquer de lirismo. Que Luther Blisset não é o nome de ninguém e talvez seja sinônimo de covardia.
E que quebrar vidraças gera lucro à fábrica de vidros e estimula o comércio de areia.
E que domingo de manhã é só uma hora da semana que tento ser calmo e falho no final da noite, passando-a em claro.
E notei que velhos clichês não tem efeito real na vida dos intitulados poetas: ninguém chora sangue de tristeza, somente de moléstia; ninguém pode entregar um coração em mãos com beleza e ternura, somente em transplantes de miocárdios e ninguém sente a alma do outro, pois elas não existem.
E todo bucolismo acaba no primeiro banho quente e refeições instantâneas carregadas de sal.
E temo crer que somos sacos de carne flutuando ao acaso qual o velho bigode niilista já me disse nos livros que nunca mais li. E talvez seja o melhor negar a vida e viver o nada.
Temo em escolher a pílula azul da mão de Morpheus ou ainda recolher o remédio da lama que só me alivia a dor e deixa meus sonhos para trás.
Sinto-me estagnado refutando contra o que parece não dar paz até que me transmute em laranja mecânica. A minha rotina é um tratamento ludovico.
Estou sorrindo com grilhões nos dentes. Escrevo com dedos algemados e as produções se tornam apenas rascunhos dadaístas.
Nem mijar em um Duchamp me faria um artista.
Meu orgulho se esvai quando o espelho reflete um semblante franchão e bizarro.
Sou iconoclasta, quero quebrar espelhos.
Mas não quero ser iconoclasta de mim mesmo e acabar com os templos de priscas de meu peito, como em "Vandalismo" de Augusto dos Anjos.
Sonhando penso:

-É o carteiro! Tenho uma epifania para Dän Ärsky.
-Passe outra hora, estou ocupado!

Vou amassar estes rascunhos e tentar escrever a bela bizarrice de minha realizadade, talvez amanhã eu tenha um texto ou desenho bonito ou tenha mudado de endereço.


Tocou o telefone. Era Tyler Durden me dizendo para eu não desistir: ele havia tido algumas idéias para charges e textos que iriam ofender várias pessoas sérias e fazer várias sonhadoras brilharem os olhos.

Grito Número Noventa e Seis:

sábado, 14 de maio de 2011

ME POSSUA! ME POSSUA!

Meu corpo irradiava tensão, porque estava às escondidas; e isso adicionava um sabor extra à tentação. Era um anoitecer de sábado e eu estava com doze anos. Sim, eu sei, demasiadamente jovem para praticartal ato. A censura moralista dizia: dezesseis anos no mínimo, dezoito é o ideal.
Mas o barqueiro da jornada não pediu identidades ou nos barrou!

O início era tenso enquanto toda a trama se desenrolava, e após alguns minutos no escuro, eis que ela surgiu irreverente, violenta com sua camisola manchada. Achei visionário, maravilhoso e belo. Algo que meus pais ou qualquer moralista se indignaria.
Lá estava eu, estático qual imagem barroca observando um ato de onanismo feminino nada convencional e totalmente agressivo, clamava por divindades entre palavras de baixo calão, havia sangue manchando a camisola e os lençóis. Foi neste instante que perdi toda a minha inocência, me apaixonei pelo demônio entrelaçado na carne. Pela possessão mais carnal e maligna. E as cenas subseqüentes foram de camas voadoras, berros e cenários mistos de momentos apavorantes e excitantes.
Quando findou-se a ação concluí que estava a caminho de me tornar um homem, pois havia vencido meus medos e desenvolvido novas paixões nada ortodoxas.
E fui dormir no início da madrugada pensando que viriam muitas outras vezes mais que eu assistiria à "O Exorcista".

Grito Número Noventa e Cinco:

segunda-feira, 9 de maio de 2011

OS MEUS BIGODES É QUE NÃO DIZEM MUITO

Quando penso em gatos, depois de bigodes e miados, me vem à tona a independência que tento incorporar e manter forte. Os gatos são seus próprios donos e possuem o destino de seus dias firmes em suas patas.
O gato é independente para se esquivar dos cacos de garrafas dos muros num balanço felino jocoso com o perigo. E se por ventura falhar a esquiva, cairá de pé sem pensar em dissabores.
E segue o gato noite adentro, seja seguindo a presa ou buscando nada somente para manter-se seu próprio dono e não ter horário para cumprir.
E sigo eu aqui, escrevendo e tentando sentir o fim das dependências numa esquiva desajeitada, sem saber se vou cair em pé ou falhar quebrando as pernas.
Como dizem por aí: "malandro é o gato que nasce de bigode", uma pena meus bigodes não dizerem muita coisa.


Foto: Marie "Cóqui" Antoinette, por Dän Ärsky.

Grito Número Noventa e Quatro:

quinta-feira, 5 de maio de 2011

SETE ESTRELAS TATUADAS (As Histórias de Um Velho Lobo do Mar)

Marcados por fatos nada importantes
Se alegram das primaveras contadas
Não se nota nenhuma estrela tatuada
No peito desses pobres navegantes
QUE NUNCA SAÍRAM DO LUGAR!

Apenas poeira nas estantes
Sem nenhum prêmio a estampá-las
Livros velhos não contam histórias
Não se assemelham aos heróis de antes.
POIS NUNCA SE JOGARAM AO MAR!

Nem hidras, nem instantes
Aventuras apenas inventadas
Ao ar sempre jogadas
Não existe em teu corpo
RESQUÍCIO DE CAVALEIRO ERRANTE.

A primavera passa e o inverno vem para as formigas
E as cigarras cantam glórias
Sem ter nada em suas barrigas...

Marcado pelo escorbuto
O marinheiro velho conta histórias
De seus tempos de roubusto
Da era de mil glórias
Apaixonou-se por sereias
Tempestades no mar e de areia
Mil tesouros para enterrar.

Gancho e espada estão manchadas
E mostram veracidade dos fatos
Lhe sobraram meus amigos
Neste seu aniversário
A chance de inventar boatos.

A primavera passa e o inverno vem para as formigas
E as cigarras cantam glórias
Sem ter nada em suas barrigas...

Mais um aniversário,
quantos troféus há em sua parede?
Não se sinta mal, não se sinta mal
Quantas conquistas marcaram seus dias?
Mantenham as velas de bolo acesas...
para o seu próprio FUNERAL!